quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O nome e o como*


A “grande imprensa” nos dias seguintes ao acidente do vôo 3054 da TAM, no aeroporto de Congonhas, em 17 de julho de 2007, lançou manchetes e mais manchetes relacionando-o com a situação caótica que viviam os aeroportos e o espaço aéreo brasileiros – relacionando-o também com o acidente então ainda recente do vôo 1907 da Gol, que colidiu com um jato Legacy em 29 de setembro de 2006.

Com o passar das semanas, os indícios levantados encaminhavam cada vez mais as investigações no sentido de falhas no avião ou dos pilotos – sem eliminar por completo a responsabilidade da pista de Congonhas, mas que seria, na verdade, um dos fatores menos relevantes no desencadeamento da tragédia.

Isto colocou a “grande imprensa” numa situação delicada. Foi neste processo de acontecimentos que Marco Aurélio Garcia lançou seu famoso “top top top”, que a “grande imprensa” logo tratou de tornar um escândalo.



Pois bem, frente às críticas ao comportamento da “grande mídia” neste episódio, Ali Kamel, chefe de jornalismo da Rede Globo e ideólogo-mor do que Paulo Henrique Amorim chama de PIG (partido da imprensa golpista), escreveu um editorial-defesa. Seu argumento central era o seguinte: a imprensa não tinha cometido equivoco algum ao apontar como causas do acidente fatores que as investigações estavam provando falsas. A imprensa havia realizado uma operação simples que sempre deveria realizar: o teste de hipóteses.

Segundo ele, a imprensa noticiaria como causas do acidente certos elementos e a partir disto as investigações confirmariam ou refutariam tal hipótese. Em caso de refutação, passariam a elencar outros elementos. É claro que Kamel estava falando uma bobagem sem tamanho. Qualquer pessoa que não matou a aula de Método Científico na sétima série sabe que o “teste de hipóteses” tem por elemento chave uma bobagenzinha chamada de falsificabilidade.

Construir uma hipótese de maneira honesta passa por analisar, e de alguma maneira explicitar, as condições em que tal hipótese será refutada – isto é, você diz “se isso e isso não ocorrer, ou se isso e isso ocorrer, a minha hipótese está furada”. E a partir disto você tenta mostrar por que os istos que devem ocorrer e os istos que não devem ocorrer ocorrem ou não ocorrem, para mostrar que sua hipótese é sustentável.

É claro que não foi esse o comportamento da imprensa no caso. Em uma situação com tão poucas informações, como os dias seguintes de um acidente destes, não se pode “testar” uma única hipótese e descartar as outras – se não há dados suficientes, mantenha-se as portas abertas para diversas possibilidades. O único motivo para se ter investido na hipótese “culpa do governo” era político-ideológico, e não técnico-jornalístico. Testar hipóteses não é dar como certa uma possibilidade e esquecer todas as demais até que alguém prove que você está errado. Testar hipóteses é justamente você mesmo tentar provar que está errado, testando sua hipótese. Se você não for capaz de refutar-se a si mesmo, parabéns! você tem uma hipótese razoável – agora sim espere os outros tentarem refutá-la para ver o que dá.

Enfim, Kamel tentou usar uma linguagem que tem autoridade, a científica, para dar uma desculpa esfarrapada para a política da “grande mídia” de oposição cega e total ao governo Lula. Virou chacota em toda a blogosfera de esquerda, e teria virado mais se a “grande mídia” não fosse tão corporativista.

- Mas Zé, por que raios ressuscitar esse assunto tão velho?!

Por que, ora bolas, foi dessa história que tirei o nome desse blog. Se o Ali Kamel fala bobagem e depois diz que tava apenas “testando hipóteses”, eu também quero falar as minhas.

Obviamente, essa brincadeira tem um fundamento: por um lado, como já deixei claro no primeiro post, tenho medo e vergonha das asneiras que vou dizer aqui. Mas cada vez percebo mais a importância de não guardar as próprias asneiras e aprender com as correções que nos fazem. Muitas vezes eu vejo que eu tinha idéias completamente equivocadas sobre determinados assuntos até conversar com alguém que realmente entende do assunto.

Isto é, eu tenho agora meu espaço para falar besteira e, se tudo der certo, aprender com quem tiver a paciência de ler essas bobagens e me corrigir. Esta será minha metodologia aqui – escreverei as bobagens que pululam minha mente e espero aprender com os amigos.

*”O nome e o como” é o título de um importante artigo de dois historiadores italianos, Carlo Ginzburg e Carlo Poni, no qual tentam delinear a metodologia da “micro-história”. Não há qualquer relação lógica com meu post, apenas expliquei o nome e o como do meu blog, o que nada tem a ver com o “como” se lidar com os “nomes” nas fontes históricas, assunto de Ginzburg e Poni.

2 comentários:

  1. A merda vai ser se alguém resolver demonstrar que a sua hipótese de que é bom escrever besteiras tá furada. E aí? Acaba o blog?

    Sacanagem.

    Gostei bastante do blog.
    E por favor trate de escrever sempre pq to precisando de coisas interessantes no meu reader.

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  2. É verdade, Mari. Esse é um risco que eu corro aqui. Tentarei ao máximo ser cabeça dura e não aprender essa lição, caso alguém tente refutar essa hipótese!

    Obrigado pelo elogio! =)

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