domingo, 31 de janeiro de 2010

Dica de blog: Hermenauta (in memorian)


Eu tava pensando em criar uma seção mais ou menos fixa aqui no blog para indicar blogs. Claro que essa indicação já é feita aqui na listinha de links ao lado, mas essa seção serviria para reforçar a indicação de alguns blogs que talvez vocês não conheçam e que na minha modesta opinião vale muito a pena conhecerem.


Pois bem, desde que eu pensei nessa possibilidade, enquanto eu ainda pensava se valeria a pena fazer uma seção fixa num blog tão novo, eu já tinha certeza de qual seria o primeiro “indicado”: o Hermenauta.

Pois o que acontece essa semana? O Hermenauta anuncia a paralisação das atividades do blog. Foda isso, era um excelente blog. Talvez perdesse tempo demais com o Reinaldo Azevedo – mas convenhamos, é preciso que alguém mostre por a+b que as imbecilidades do Reinaldo são imbecilidades, e isso o Hermenauta fazia com precisão – mas era um blog fantástico.

De qualquer forma, fica a dica de blog. Pra quem não conhecia, vale a pena passar o olho nos arquivos do blog. E também vale a pena ler o comentário do NPTO sobre essa paralisação. Ele toca num ponto interessante: a falta de correspondência financeira para os blogs de sucesso no Brasil – ainda são muito poucas as vantagens financeiras de se ter um blog de sucesso por aqui. E classifica o Hermenauta como o melhor blog brasileiro. Eu não conheço a blogosfera a fundo pra falar uma coisa dessas, mas é (era) o melhor blog brasileiro que eu conhecia mesmo – e por isso o primeiro nessa seção de indicação de blogs.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Um tira-teima para Michael Schumacher



Michael Schumacher está de volta à Formula 1 e isto, somado a alguns outros fatores, faz dessa temporada a mais esperada dos últimos tempos.

Falar que Schumacher é o maior de todos os tempos causa certa comoção, principalmente no Brasil. Para muitos por aqui, sequer cogitar a possibilidade de que Ayrton (Ayrton Ayrton) Senna (do Brasil!!) não foi o maior de todos os tempos é crime de lesa-pátria punível com o maior de todas as indignações e execrações. Não adianta citar os títulos de Schumacher (campeão mais do que o dobro de vezes que Senna), ou todos os seus recordes (inclusive aqueles que Senna possuía antes, tão usados pelos sennistas para provar o brilhantismo do ídolo-máximo) – Senna é indiscutivelmente o maior de todos os tempos, inclusive para aqueles que nem sequer tinham idade para assistir suas corridas.

Fonte das tabelas: Wikipedia

Falar que Schumacher foi maior que Senna para alguns brasileiros é o mesmo que falar para alguns argentinos que Pelé foi maior que Maradona. Não adianta argumentar, é uma questão de identidade nacional (curiosamente, depois de escrever isso, achei uma notícia sobre o  Felipe Massa fazendo a mesma comparação).

Porém, existem alguns argumentos sustentáveis entre aqueles um pouco mais inteligentes que tentam defender a superioridade de Senna. Um é irrefutável, mas também insuficiente: Senna morreu aos 34 anos, poderia ter ganhado alguns títulos a mais (inclusive os de 94 e 95, conquistados por Schumacher). Bem, poder poderia... mas não é algo óbvio de se pensar – e devemos lembrar que se Senna tivesse sobrevivido ao acidente em Ímola e corrido o resto da temporada de 94 teria que tirar uma vantagem de 30 pontos que o alemão já tinha construído sobre ele nas três primeiras corridas do ano (todas vencidas por Schumacher e todas abandonadas pelo brasileiro). Se Schumacher, hipoteticamente, tivesse morrido em 2003 (quando tinha 34 anos), seria bem razoável pensar que ele ganharia mais alguns títulos. Pensar o mesmo de Senna em 1994 não é tão razoável – isso porque o domínio de Schumacher era incontestável em 2003, Senna sequer dominava a Formula 1 em 1994. Além disso, aos 34 anos Schumi já tinha cinco títulos, contra os três de Senna.

Para se ter uma idéia do domínio de Schumacher, entre 1994, a primeira vez que sentou em um carro que lhe dava condições de brigar pelo título, e 2006, ano de sua aposentadoria, Schumacher disputou 13 temporadas. Em uma (1999) fraturou a perna em um acidente e não pode disputar todo o campeonato. Em quatro (1996, 1997, 1998, 2005), seu carro era claramente inferior ao de outra(s) equipe, deixando o título quase impossível*. Das oito temporadas que sobram, Schumacher ganhou sete. Só perdeu em 2006, para Fernando Alonso.

Porém, outros dois argumentos são mais interessantes para se debater, por que justamente discutem esse predomínio absoluto de Schumacher:

1) Schumacher correu contra uma geração bem inferior tecnicamente à geração de Senna, por isso conseguiu resultados tão expressivos.

2) Schumacher teve uma superioridade de equipamento muito longa, inédita para um piloto na história da Fórmula 1.

Os dois argumentos são fortes. O primeiro é mais relativo, por se poder colocar a questão de que Schumacher trucidava os adversários por sua excepcionalidade, e não pela hipotética fragilidade dos adversários. Mas de qualquer forma, é uma sensação que se mantém forte: a geração entre o final dos anos 90 e início desta década não aparentava ter a qualidade que a geração anterior teve. Quanto ao domínio de equipamento, a Willians dominou o início da década passada da mesma maneira que a Ferrari dominou o início desta (talvez até de forma mais marcante), mas nenhum piloto tomou conta do seu posto de primeiro piloto (quatro pilotos diferentes foram campeões com a Willians na década de 90: Mansel, Prost, Hill e Villeneauve). Schumacher, por sua vez, tomou conta do título de primeiro piloto da Ferrari – o que não deixa de ser mérito do alemão, mas certamente lhe deu vantagem. Além disso, quando Senna teve esse tipo de vantagem, na McLaren do final dos anos 80, ele tinha que duelar de igual pra igual com Alain Prost dentro da equipe, não com um subordinado Barrichello.

E é por isso que a temporada que vai começar ganha certo sabor de tira-teima para Schumacher.

Ele vai enfrentar uma geração vencedora, inquestionável tecnicamente, e que inclui seu único algoz de fato, Fernando Alonso, e outros dois campões do mundo (Hamilton e Button) – além de pilotos jovens com muito talento, como Massa e Vettel.

A não ser que a Mercedes tenha um carro muito acima da concorrência – o que daria ao argumento da vantagem no carro nova vida – ou muito abaixo – o que impediria Schumi de vencer –, Schumacher enfrentará pilotos de ponta em condições técnicas similares.

Se perder, não terá colocado nada em risco – as discussões continuaram as mesmas, afinal, ele já conquistou tudo que tinha pra conquistar. Se ganhar, corrobora de maneira robusta a percepção de que ele foi, sim, o maior de todos os tempos.

_________

*Apenas para reforçar um argumento que pode aparentar mero achismo:

  • Em 1996 a campeã foi a Willians de Damon Hill, piloto tão ruim que mesmo campeão foi demitido pela equipe ao final da temporada;
  • Em 1997 a campeã novamente foi a Willians, mas agora com Jacques Villeneauve, piloto tão ruim que nada mais fez na Formula 1 depois desse título;
  • Em 1998, a campeã foi a McLaren de Mika Häkkinen, equipe que melhor se adaptou às grandes mudanças de regras entre as temporadas 97 e 98. Häkkinen viria a ser campeão no ano seguinte mais uma vez, ano do acidente que tirou Schumacher da pista por algumas corridas, porém é indiscutivelmente um piloto abaixo do nível geral dos bons campões do mundo.

Em todas essas temporadas Schumacher poderia facilmente ter sido campeão se tivesse um carro em igualdade de condições. Em 2005 o problema novamente foi a mudança de regras, dessa vez nos pneus, que deixou a Ferrari em péssimos lençóis e fez Raikkonen campeão do mundo – esse sim um bom piloto, que em igualdade de condições poderia talvez ter vencido Schumacher da mesma maneira.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Barbara Gancia e Boris Casoy

Uma das coisas que eu mais gostava de assistir no BandSports eram os programas da Barbara Gancia. Figura extrovertida, meio bonachona, sempre me pareceu aquele tipo de gente boa praça de quem todos costumamos gostar.

Quando fiz minha conta no twitter, não demorou muito para achá-la e começar a segui-la. Bom, aí tive meus primeiros sustos com declarações politicamente reacionárias por parte dela. Lembro-me claramente de uma específica, porque tuitei uma crítica e ela, simpaticamente, me respondeu – no que se seguiu uma troca de mais uns dois ou três tweets cordiais, apesar do meu tom crítico inicial. O assunto era o golpe de estado no Haiti e seu tweet era alguma crítica jocosa a Zelaya e ao asilo dado pela embaixada do Brasil, salvo engano.

(por falar nisso, o melhor texto que li na blogosfera sobre o golpe em Honduras e a participação brasileira no desenrolar dos acontecimentos foi esse aqui, no Politika&etc.)

Esses dias, levado por link em algum blog, me deparei com um texto no blog dela falando sobre o caso Boris Casoy e garis. Não vou chegar aqui ao cúmulo de igualar a Bárbara a figuras ridículas da imprensa anaeróbica brasileira (Reinaldo Azevedo, Diego Mainardi...), como fez o Altamiro Borges. Ainda a acho uma figura simpática, até certo ponto moderada e que apenas acaba surfando ondas da direita esquizofrênica tupiniquim (o que eu acho uma pena).

Porém, o texto em defesa do Boris Casoy em seu blog é por sua vez indefensável. E nos revela certas coisas interessantes de se analisar, e por isso vou passá-lo em revista aqui.

O texto está estruturalmente divido em três argumentos independentes. Vou analisá-los, portanto, individualmente.

O primeiro argumento é bastante razoável. Ela compara o caso Casoy com o caso Ricupero (ministro do famoso “Eu não tenho escrúpulos, o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”, dito no intervalo do Jornal da Globo, mas captado por telespectadores com antenas parabólicas).

O cerne do argumento faz sentido: uma frase não condena necessariamente seu autor. No caso de Ricupero, por exemplo, ele poderia simplesmente estar fazendo uma piada, um gracejo qualquer. Mas esse argumento não livra a cara de Casoy, apenas destaca a necessidade de uma análise mais atenciosa do que foi dito e de seu contexto. Gancia, que não é boba, sabe disso e passa, então, a esta nova etapa da argumentação pró-Casoy. E é aí que vaca vai pro brejo.

O primeiro passo é contextualizar a frase. E aqui chegamos ao segundo argumento, o mais instigante dos três. Segundo Gancia, Boris falou aquela frase “para a sua equipe, não para o público nem em público”. Bom, isso é bem óbvio e não muda nada. Gancia, como eu disse, não é boba. Então desenvolve melhor o argumento: o que estava acontecendo ali não era uma mera esculhambação gratuita de Casoy aos garis, mas sim uma crítica a escolha dos personagens da reportagem por parte de sua equipe de jornalismo. Ela ressalta a dificuldade de se fechar um jornal, e nos conta que são comuns certas críticas e avaliações no decorrer do programa.

Ok, ela me convence perfeitamente nesse ponto. Casoy não é um gagá que fica xingando pessoas em off no seu jornal. Mas e daí? Que raios isso muda na história? O criticável não é Casoy dizer o que disse em público nem sem uma motivação lógica. O criticável é Casoy ter dito o que disse – fosse na festa de natal da empresa, fosse na cama com a esposa, fosse sozinho no banho.

Gancia arremata esse argumento com uma conclusão peremptória: “Isso é da natureza do nosso trabalho e não tem nada a ver com preconceito”. Por deus, Bárbara, tem e muito! A crítica e avaliação do andamento do jornal em off pode muito bem ser algo comum da natureza do trabalho de vocês, mas isso não impede que tenha TUDO a ver com preconceito.

Afinal de contas, a pergunta relevante a que chegamos com essa argumentação dela é a seguinte: por que Boris Casoy criticou a escolha dos garis pela reportagem? O próprio Boris nos responde: eles são “o mais baixo da escala do trabalho”. Ou seja, Boris Casoy acredita numa hierarquia dos trabalhos, e os lixeiros são a escória dessa hierarquia, os párias do mundo do trabalho.

Bem, amigos, se isso não tem nada a ver com preconceito de classe eu não faço idéia do que possa ser preconceito de classe.

Curiosamente, essa defesa de Gancia na verdade “incrimina” ainda mais Casoy. Se foi um comentário crítico às opções de sua equipe, a frase de Casoy não foi, portanto, uma mera piada politicamente incorreta – como eu cheguei a ouvir de algumas pessoas tentando relativizar a seriedade do acontecimento.

Para dizer mais, tenho a impressão que a própria Bárbara não se convence. Pelo menos ela não se dá por satisfeita e lança um terceiro argumento pró-Casoy: “Conheço Boris Casoy (...) e tenho grande respeito por ele. Sei bem do seu caráter e da sua retidão”. Para exemplificar esse caráter e retidão ela nos conta de um almoço em que ela se colocou a falar mal das pessoas e Casoy ficou constrangido. “O Boris é do tipo que se incomoda com essas leviandades, 100% não frívolo e absolutamente dedicado ao seu trabalho”.

Eu continuo acreditando em tudo o que a Barbara Gancia está escrevendo e continuo não vendo lógica em achar que Casoy não foi estupidamente preconceituoso. Aqui o erro me parece querer igualar retidão e seriedade no trabalho, ou mesmo na vida pessoal, com ausência de preconceitos. Desde quando o cara precisa ser vagabundo e malandro pra ser preconceituoso?

Dito tudo isso concluo: Barbara Gancia tentou ajudar o colega e nada conseguiu (ou talvez tenha até piorado a situação).

PS: Sobre o caso Casoy em si, vale a pena ler o texto do amigo Adolpho no blog Crítica Cotidiana.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

I Gotta Feeling



Há algum tempo eu não me escangalhava de rir tanto com um troço como com essa paródia de I Gotta Feeling, do Black Eyed Peas. Quem teve (ou está tendo) uma juventude feliz e saudável(mente alcoolica) irá se identificar, sem dúvidas (Créditos para o Thiago Krause, que me mandou o link do vídeo pelo msn).


sábado, 23 de janeiro de 2010

A academia vermelha das humanas

Texto bem interessante no Na Prática a Teoria é Outra repercutindo matéria no New York Times sobre a predominância da esquerda entre os acadêmicos da área de humanas.

O argumento do NPTO me parece acertado: não são as faculdades de humanas que são de esquerda, as pessoas de esquerda que fazem faculdade de humanas. Isso é, não é por nenhum tipo de pressão ou doutrinamento interno que os alunos de humanas se tornam de esquerda, mas pelo contrário, os alunos já chegam predominantemente de esquerda nas faculdades de humanas.

O que atrai os alunos de esquerda para a área de humanas pode até ser por um lado a própria identidade da faculdade de humanas como de esquerda, mas aí entraríamos num problema do ovo e da galinha. A explicação dos caras da reportagem do NYT e corroborada pelo NPTO é mais interessante.

“A imagem do acadêmico como um cara crítico, meio pobre para o tanto que estudou, mas com certa autonomia no trabalho, atrai o pessoal de esquerda, que provavelmente não valoriza mesmo tanto o cara ser milionário e disciplinado.”

Acho que esse é um ponto chave: a carreira acadêmica, ainda mais no Brasil, é uma carreira fora (pelo menos em boa parte) da lógica de mercado – e por isso, mal remunerada se formos pensar em termos de formação acadêmica. Obviamente, pra alguém que não simpatiza muito com a idéia de “enriquecimento= sucesso na vida” é mais fácil se interessar pela carreira acadêmica; por outro lado, pra alguém que não simpatiza com a idéia de “enriquecimento= sucesso na vida” também é mais fácil desenvolver, em algum nível, uma postura crítica ao capitalismo e por isso se deslocar para a esquerda no espectro político.

O NPTO aprofunda mais essa idéia no sentido de que, apesar de as discussões na faculdade serem importantes, os alunos já chegam à faculdade com posições políticas bem definidas. Os comentários no post dele até agora tem criticado essa idéia, e eu concordo com a crítica. É claro que chegam alunos com posição política bem definida e mesmo com histórico de militância secundarista, mas certamente estes são uma minoria. Uma minoria barulhenta e importante qualitativamente, mas estatísticamente ainda uma minoria.

Mas por outro lado, o NPTO tem razão. Apesar de não chegarem politicamente tão definidos como ele parece imaginar, as pessoas chegam à faculdade com predisposições contra ou a favor de certas bandeiras que podem mudar, até bastante, nos detalhes, mas no geral tendem a se manter na grande maioria dos casos. E, principalmente, esse papo de “doutrinamento” postula uma ingenuidade e fraqueza intelectual dos alunos que não corresponde com a verdade.

Acho que é isso que explica, pelo menos em parte, uma questão que um amigo meu de direita da faculdade, o Felipe Svaluto, sempre coloca: por mais que o marxismo não tenha mais a força que chegou a ter no departamento de História da UFF, o máximo à direita que os professores se identificam é como social-democratas ou coisa do tipo. O Svaluto acredita que isso é exemplo da hegemonia do pensamento anticapitalista nas ciências humanas, e que isso é de certa forma uma demonstração de força do marxismo (é ruim falar pelos outros, mas eu acho que é isso que ele pensa sim). A explicação do NPTO dá um contraponto a isso, e me parece mais explicativa.

Porém, só pra complicar ainda mais esse quadro confuso, eu tenho outra questão quanto a isso: tenho lá minhas dúvidas quanto a esse pretenso domínio da esquerda nas faculdades de humanas, pelo menos nos departamentos de História. Concordo com o Svaluto que existe um discurso anticapitalista, pelo menos nas entrelinhas, na área de História, de uma maneira geral. Mas, acredito, muito desse discurso anticapitalista que se percebe em certas entrelinhas de professores que estão bem longe do marxismo nas suas pesquisas acadêmicas (e que pro Svaluto é prova de força do marxismo no imaginário político) são meros recursos retóricos.

Um exemplo disso, que eu estava discutindo justamente com o Svaluto dia desses no msn, foi uma afirmação de um medievalista brasileiro. O cara dizia algo como “o marxismo é excelente para analisar o capitalismo, mas para estudar a idade média não tem tanta força assim.” Lendo isso o Svaluto logo apontou “olhai, olhai! Ele dizendo que o marxismo é bom pra analisar o capitalismo, olha o discurso anticapitalista”.

Eu, porém, faço leitura bem diversa disso. Pra mim, esse “marxismo muito bom para estudar o capitalismo” é meramente retórico. Se esse camarada estudasse séc.XX, e não Idade Média, ele não falaria isso – estaria, pelo contrário, tentando mostrar como o marxismo é uma posição teórica ultrapassada. O que ele quer é se livrar do marxismo, mas como bater de frente com o marxismo requer uma força teórica que provavelmente ele não tem vontade nenhuma de construir, ele recorre a um discurso pronto, mais simples e pretensamente conciliador: “olha só, não tenho nada contra o marxismo, mas ele só serve pra estudar o capitalismo, afinal Marx tinha o séc. XIX em mente, não a Idade Média.

Claro que o o ponto que eu quis marcar nesses últimos parágrafos (as concordâncias com o marxismo são muitas vezes meramente retóricas) não muda necessariamente o ponto inicial: os acadêmicos de humanas em geral são de esquerda. Afinal de contas, não serem marxistas, ou mesmo serem antimarxistas em suas áreas de atuação acadêmica, não impede tais professores da área de humanas de se posicionarem sempre da social-democracia para cá (esquerda) do espectro político.

Mas são mesmo de esquerda esses professores? Eu tenho lá minhas dúvidas. Pelo menos nas paragens de Clio me parece que o antimarxismo ferrenho já tem levado professores para uma postura além-esquerda, por mais que quando instigados a se auto-rotularem eles possam tender a se posicionar como centro-esquerda. “É uma questão”, como diria uma falecida professora nossa, que também achava que “o marxismo é muito bom para estudar o capitalismo, mas para minha área de pesquisa não serve”.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Miniaturas Históricas


Procurando imagens no Google para ilustrar o post anterior achei um site simplesmente genial: John Eden Studios.


É o site de um artesão de miniaturas com temática histórica – tem de tudo, cenas cotidianas romanas, banquetes medievais, piratas do período moderno, revolucionários franceses...

O dia que eu for rico comprarei todas, até porque são bem carinhas. Ou melhor, se alguém tiver em dúvida de presente para me dar, fica aí a sugestão ;-)

Tragédias humanitárias e Escravidão


Com o nível de destruição que se abateu sobre o Haiti depois desse último terremoto, muito se falou em adoção de crianças haitianas por famílias de outros países. Porém, uma preocupação fundamental logo surgiu: a possibilidade de processos sumários de adoção serem na verdade fachada para o tráfico de crianças.

Esse assunto logo me lembrou uma discussão historiográfica importante para minha área de pesquisa: o problema do abastecimento de escravos na Roma antiga.

Tradicionalmente era visto como obviedade que os escravos romanos, principalmente durante o período de sua expansão imperial pelo mediterrâneo, eram cativos de guerra. A base dessa visão eram os relatos recorrentes nas fontes de escravizações em massa de populações conquistadas.

Dois autores foram importantes para desmistificar essa visão: Moses Finley e Keith Bradley. Ambos apontam um fato simples e fundamental que escapava desta percepção: uma população escrava qualquer precisa ser reproduzida – pouco importa que (segundo Tito Lívio) tenham sido escravizadas 150 mil pessoas na conquista do Épiro em 167 a.C., esses escravos morriam e precisavam ser repostos por fontes mais estáveis de abastecimento de escravos.

Não se pretende com isso negar a importância dessas grandes escravizações para a expansão do estabelecimento da escravidão na Itália romana, mas elas não podem ser vistas como as fontes cotidianas, regulares da reposição de escravos para os proprietários romanos. Finley e Bradley tinham em mente duas fontes regulares que eles acreditavam serem as fundamentais para essa reprodução da população escrava: o comércio e a reprodução interna (isto é, escravas tendo filhos que nascem escravos).

Obviamente, como bem diferencia Orlando Patterson, o comércio é uma forma de aquisição de escravos e não de escravização de pessoas – isto é, as pessoas vendidas como escravas precisam ter sido escravizadas de alguma maneira. Tanto Finley como Bradley tinham total consciência disso, afinal nenhum dos dois era bobo.

Pois bem, para Bradley isso cria um problema: o comércio era suscetível às mudanças na política militar, na relação com as províncias e toda mais uma sorte de fatores que afetam a escravização de pessoas nas províncias ou no além-limes (fora das fronteiras do império). Por isso, então, ele acredita que a única fonte realmente estável é a reprodução interna, apesar de ela não ser capaz de reproduzir a população escrava romana por inteiro – como ocorria, por exemplo, no sul dos Estados Unidos no séc. XIX.

Finley, porém, faz uma afirmação interessante nesse ponto e que é onde eu quero chegar. Para ele, é importante que exista um “reservatório” de escravos em potencial fora da sociedade escravista, de onde esta pode extrair novos escravos. E foi nisso que eu me peguei pensando ao ler essas notícias de escravização de crianças no Haiti.

As condições de reação frente a uma tragédia humanitária (de qualquer tipo) eram bem mais limitadas na antiguidade, certamente. Claro que os números absolutos de vítimas também eram menores, por questões demográficas mesmo, mas isso não me parece relevante. Quando qualquer tragédia dessas acontecia ali por perto do mediterrâneo antigo, piratas-comerciantes de escravos deveriam voar como abutres para cima desses flagelados. E talvez esteja aí um elemento importante para entender o tal “reservatório de escravos em potencial” de que Finley fala, que permite a regularidade do comércio de escravos na Roma antiga.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Homens brancos não sabem enterrar


Uma notícia bizarra está circulando na internet. Já foi publicada, ontem, em sites importantes sobre esportes no Brasil, como Lancenet.com e Globoesporte.com, mas não consegui encontrar em sites americanos mais importantes. E por ser tão bizarra desconfio que seja mera pegadinha.

Mas a notícia é a seguinte: um ex-promotor de lutas de boxe e wrestling, Don Lewis, está criando uma liga de basquete apenas para brancos – só seriam aceitos jogadores nascidos nos EUA, filhos de pai e mãe caucasianos.

Bom, até aí é mais uma bobagem racista como muitas outras. O que me impressionou muito, e me fez escrever esse post, foram as [supostas – ainda não estou convencido de que isso é real] alegações do tal Don Lewis para a criação da liga. Segundo o Lancenet, uma das alegações é a defesa do basquete de fundamentos, em detrimento do streetball style das “pessoas de cor” – teria dito Lewis:

“– Cidadãos brancos nascidos nos Estados Unidos são, definitivamente, a minoria agora. Essa será uma liga para jogadores brancos que jogam o basquetebol de fundamentos.”

Porém, mais impressionante (e imbecil, claro) é a afirmação de Lewis citada pelo Globoesporte.com:

“– Não há nada de ódio no que estamos fazendo. Eu não odeio ninguém de cor. Mas as pessoas brancas, os cidadãos norte-americanos estão em minoria agora. Você gostaria de ir a uma partida e se preocupar com um jogador te ameaçando ou atacando nos vestiários? Essa é a cultura de hoje, e, em um país livre, devemos ter o direito de nos mover para uma direção melhor.”

Não é preciso ser nenhum gênio da análise de conteúdo para identificar conceitos bisonhos nessa passagem:

1)      Apenas as pessoas brancas são cidadãos americanos;
2)      Esses verdadeiros cidadãos americanos, os brancos, são uma minoria. Portanto, estão ameaçados e precisam de ações afirmativas (como a liga de basquete só para eles).
3)      Os jogadores negros (que não são cidadãos americanos) ameaçam os torcedores e jogadores brancos, os atacam nos vestiários – isto é, essa negrada é selvagem.*
4)      Em um país livre, os cidadãos americanos (brancos, homens de bem) devem ter o direito de se mover para uma direção melhor (isto é, devem ter o direito de criar uma liga apenas para brancos, não se misturando com essa gentalha).
5)      Nada disso é racista nem contêm um pingo de ódio às “pessoas de cor”.

Meu deus do céu, o reacionarismo americano é MUITO assustador!

*Essa coisa de “ataque no vestiário” é referência ao episódio ocorrido no início do ano em que o jogador Gilbert Arenas sacou uma arma de fogo no vestiário do seu time, Washington Wizards, em uma briga com seu companheiro de equipe Javaris Crittenton – que na verdade é negro também.

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Mas essa história também tem seu lado divertido. A NBA faz muito sucesso pelo espetáculo que são seus jogos. Você não precisa torcer por nenhum time nem o jogo precisa ser decisivo para se entreter assistindo um jogo da NBA justamente pelo streetball style das jogadas. Imaginem o saco que seria assistir um monte de branquelos jogando “basquete de fundamentos” – afinal de contas, homens brancos não sabem enterrar.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O nome e o como*


A “grande imprensa” nos dias seguintes ao acidente do vôo 3054 da TAM, no aeroporto de Congonhas, em 17 de julho de 2007, lançou manchetes e mais manchetes relacionando-o com a situação caótica que viviam os aeroportos e o espaço aéreo brasileiros – relacionando-o também com o acidente então ainda recente do vôo 1907 da Gol, que colidiu com um jato Legacy em 29 de setembro de 2006.

Com o passar das semanas, os indícios levantados encaminhavam cada vez mais as investigações no sentido de falhas no avião ou dos pilotos – sem eliminar por completo a responsabilidade da pista de Congonhas, mas que seria, na verdade, um dos fatores menos relevantes no desencadeamento da tragédia.

Isto colocou a “grande imprensa” numa situação delicada. Foi neste processo de acontecimentos que Marco Aurélio Garcia lançou seu famoso “top top top”, que a “grande imprensa” logo tratou de tornar um escândalo.



Pois bem, frente às críticas ao comportamento da “grande mídia” neste episódio, Ali Kamel, chefe de jornalismo da Rede Globo e ideólogo-mor do que Paulo Henrique Amorim chama de PIG (partido da imprensa golpista), escreveu um editorial-defesa. Seu argumento central era o seguinte: a imprensa não tinha cometido equivoco algum ao apontar como causas do acidente fatores que as investigações estavam provando falsas. A imprensa havia realizado uma operação simples que sempre deveria realizar: o teste de hipóteses.

Segundo ele, a imprensa noticiaria como causas do acidente certos elementos e a partir disto as investigações confirmariam ou refutariam tal hipótese. Em caso de refutação, passariam a elencar outros elementos. É claro que Kamel estava falando uma bobagem sem tamanho. Qualquer pessoa que não matou a aula de Método Científico na sétima série sabe que o “teste de hipóteses” tem por elemento chave uma bobagenzinha chamada de falsificabilidade.

Construir uma hipótese de maneira honesta passa por analisar, e de alguma maneira explicitar, as condições em que tal hipótese será refutada – isto é, você diz “se isso e isso não ocorrer, ou se isso e isso ocorrer, a minha hipótese está furada”. E a partir disto você tenta mostrar por que os istos que devem ocorrer e os istos que não devem ocorrer ocorrem ou não ocorrem, para mostrar que sua hipótese é sustentável.

É claro que não foi esse o comportamento da imprensa no caso. Em uma situação com tão poucas informações, como os dias seguintes de um acidente destes, não se pode “testar” uma única hipótese e descartar as outras – se não há dados suficientes, mantenha-se as portas abertas para diversas possibilidades. O único motivo para se ter investido na hipótese “culpa do governo” era político-ideológico, e não técnico-jornalístico. Testar hipóteses não é dar como certa uma possibilidade e esquecer todas as demais até que alguém prove que você está errado. Testar hipóteses é justamente você mesmo tentar provar que está errado, testando sua hipótese. Se você não for capaz de refutar-se a si mesmo, parabéns! você tem uma hipótese razoável – agora sim espere os outros tentarem refutá-la para ver o que dá.

Enfim, Kamel tentou usar uma linguagem que tem autoridade, a científica, para dar uma desculpa esfarrapada para a política da “grande mídia” de oposição cega e total ao governo Lula. Virou chacota em toda a blogosfera de esquerda, e teria virado mais se a “grande mídia” não fosse tão corporativista.

- Mas Zé, por que raios ressuscitar esse assunto tão velho?!

Por que, ora bolas, foi dessa história que tirei o nome desse blog. Se o Ali Kamel fala bobagem e depois diz que tava apenas “testando hipóteses”, eu também quero falar as minhas.

Obviamente, essa brincadeira tem um fundamento: por um lado, como já deixei claro no primeiro post, tenho medo e vergonha das asneiras que vou dizer aqui. Mas cada vez percebo mais a importância de não guardar as próprias asneiras e aprender com as correções que nos fazem. Muitas vezes eu vejo que eu tinha idéias completamente equivocadas sobre determinados assuntos até conversar com alguém que realmente entende do assunto.

Isto é, eu tenho agora meu espaço para falar besteira e, se tudo der certo, aprender com quem tiver a paciência de ler essas bobagens e me corrigir. Esta será minha metodologia aqui – escreverei as bobagens que pululam minha mente e espero aprender com os amigos.

*”O nome e o como” é o título de um importante artigo de dois historiadores italianos, Carlo Ginzburg e Carlo Poni, no qual tentam delinear a metodologia da “micro-história”. Não há qualquer relação lógica com meu post, apenas expliquei o nome e o como do meu blog, o que nada tem a ver com o “como” se lidar com os “nomes” nas fontes históricas, assunto de Ginzburg e Poni.

Outro Blog, Zé?


Se alguns anos me embriagando com alguma freqüência ainda não afetaram por completo minha memória, este é meu quarto blog. O primeiro, que sinceramente já não lembro o nome, mas certamente devia ser algo estúpido, pretendia ser mais ou menos o que este pretenderá: um espaço para despejar idéias pretensamente sérias ou não sobre assuntos sérios ou não. Com o tempo, a vergonha dos meus próprios posts e a preguiça acabaram por me vencer e o blog ficou como muita gente previra em seu surgimento: no limbo, até que por medo de alguém achá-lo no Google, acabei por deletá-lo.

O segundo, que respondia pela alcunha de “Meia dúzia de palavras sem sentido” (era isso mesmo?) pretendia ser engraçado. E como eu não tenho talento para o humor, a não ser o involuntário, acabei por me pegando sendo ainda mais ridículo, e tomei as mesmas medidas que tive com relação ao primeiro.

O terceiro nasceu como “Links do Zé”. A intenção era meramente listar links que eu achava interessantes – idéia nada inovadora, eu sei. Com o tempo, acabei especializando ele em links relacionados com minha área de pesquisa – a história social e econômica, o marxismo, e especialmente, a história antiga. Convidei, depois de um tempo, o Thiago Pires, amigo também pesquisador especializado no mundo romano, para me ajudar nas postagens. Disso surgiu o Imperium Linkorum, um blog que lista sites de interesse para pesquisadores das ciências humanas em geral, historiadores principalmente, e historiadores do mundo romano em especial.

Este blog aqui é, portanto, meu quarto blog. É possível que ele padeça do mal dos dois primeiros, mas não custa nada tentar. Acho que já se passaram três ou quatro anos da última tentativa. E acho sinceramente que sou menos patético e digno de alguma atenção hoje – faça sua avaliação com o passar das postagens.

Certamente o maior estímulo para fazer este blog foi minha atividade no Twitter. Rotineiramente acontecia de os 140 caracteres serem insuficientes para expressar certas idéias que eu gostaria de expressar, e desde a primeira vez que isso aconteceu, a idéia do blog bateu à porta. O problema é que em 140 caracteres se fala menos bobagem do que em caracteres ilimitados, mas eu já preparei certa defesa para isso e ela está relacionada ao título do blog (que explicarei no próximo post).

Enfim, tomara que dê certo. Alea jacta est.