terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Barbara Gancia e Boris Casoy

Uma das coisas que eu mais gostava de assistir no BandSports eram os programas da Barbara Gancia. Figura extrovertida, meio bonachona, sempre me pareceu aquele tipo de gente boa praça de quem todos costumamos gostar.

Quando fiz minha conta no twitter, não demorou muito para achá-la e começar a segui-la. Bom, aí tive meus primeiros sustos com declarações politicamente reacionárias por parte dela. Lembro-me claramente de uma específica, porque tuitei uma crítica e ela, simpaticamente, me respondeu – no que se seguiu uma troca de mais uns dois ou três tweets cordiais, apesar do meu tom crítico inicial. O assunto era o golpe de estado no Haiti e seu tweet era alguma crítica jocosa a Zelaya e ao asilo dado pela embaixada do Brasil, salvo engano.

(por falar nisso, o melhor texto que li na blogosfera sobre o golpe em Honduras e a participação brasileira no desenrolar dos acontecimentos foi esse aqui, no Politika&etc.)

Esses dias, levado por link em algum blog, me deparei com um texto no blog dela falando sobre o caso Boris Casoy e garis. Não vou chegar aqui ao cúmulo de igualar a Bárbara a figuras ridículas da imprensa anaeróbica brasileira (Reinaldo Azevedo, Diego Mainardi...), como fez o Altamiro Borges. Ainda a acho uma figura simpática, até certo ponto moderada e que apenas acaba surfando ondas da direita esquizofrênica tupiniquim (o que eu acho uma pena).

Porém, o texto em defesa do Boris Casoy em seu blog é por sua vez indefensável. E nos revela certas coisas interessantes de se analisar, e por isso vou passá-lo em revista aqui.

O texto está estruturalmente divido em três argumentos independentes. Vou analisá-los, portanto, individualmente.

O primeiro argumento é bastante razoável. Ela compara o caso Casoy com o caso Ricupero (ministro do famoso “Eu não tenho escrúpulos, o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”, dito no intervalo do Jornal da Globo, mas captado por telespectadores com antenas parabólicas).

O cerne do argumento faz sentido: uma frase não condena necessariamente seu autor. No caso de Ricupero, por exemplo, ele poderia simplesmente estar fazendo uma piada, um gracejo qualquer. Mas esse argumento não livra a cara de Casoy, apenas destaca a necessidade de uma análise mais atenciosa do que foi dito e de seu contexto. Gancia, que não é boba, sabe disso e passa, então, a esta nova etapa da argumentação pró-Casoy. E é aí que vaca vai pro brejo.

O primeiro passo é contextualizar a frase. E aqui chegamos ao segundo argumento, o mais instigante dos três. Segundo Gancia, Boris falou aquela frase “para a sua equipe, não para o público nem em público”. Bom, isso é bem óbvio e não muda nada. Gancia, como eu disse, não é boba. Então desenvolve melhor o argumento: o que estava acontecendo ali não era uma mera esculhambação gratuita de Casoy aos garis, mas sim uma crítica a escolha dos personagens da reportagem por parte de sua equipe de jornalismo. Ela ressalta a dificuldade de se fechar um jornal, e nos conta que são comuns certas críticas e avaliações no decorrer do programa.

Ok, ela me convence perfeitamente nesse ponto. Casoy não é um gagá que fica xingando pessoas em off no seu jornal. Mas e daí? Que raios isso muda na história? O criticável não é Casoy dizer o que disse em público nem sem uma motivação lógica. O criticável é Casoy ter dito o que disse – fosse na festa de natal da empresa, fosse na cama com a esposa, fosse sozinho no banho.

Gancia arremata esse argumento com uma conclusão peremptória: “Isso é da natureza do nosso trabalho e não tem nada a ver com preconceito”. Por deus, Bárbara, tem e muito! A crítica e avaliação do andamento do jornal em off pode muito bem ser algo comum da natureza do trabalho de vocês, mas isso não impede que tenha TUDO a ver com preconceito.

Afinal de contas, a pergunta relevante a que chegamos com essa argumentação dela é a seguinte: por que Boris Casoy criticou a escolha dos garis pela reportagem? O próprio Boris nos responde: eles são “o mais baixo da escala do trabalho”. Ou seja, Boris Casoy acredita numa hierarquia dos trabalhos, e os lixeiros são a escória dessa hierarquia, os párias do mundo do trabalho.

Bem, amigos, se isso não tem nada a ver com preconceito de classe eu não faço idéia do que possa ser preconceito de classe.

Curiosamente, essa defesa de Gancia na verdade “incrimina” ainda mais Casoy. Se foi um comentário crítico às opções de sua equipe, a frase de Casoy não foi, portanto, uma mera piada politicamente incorreta – como eu cheguei a ouvir de algumas pessoas tentando relativizar a seriedade do acontecimento.

Para dizer mais, tenho a impressão que a própria Bárbara não se convence. Pelo menos ela não se dá por satisfeita e lança um terceiro argumento pró-Casoy: “Conheço Boris Casoy (...) e tenho grande respeito por ele. Sei bem do seu caráter e da sua retidão”. Para exemplificar esse caráter e retidão ela nos conta de um almoço em que ela se colocou a falar mal das pessoas e Casoy ficou constrangido. “O Boris é do tipo que se incomoda com essas leviandades, 100% não frívolo e absolutamente dedicado ao seu trabalho”.

Eu continuo acreditando em tudo o que a Barbara Gancia está escrevendo e continuo não vendo lógica em achar que Casoy não foi estupidamente preconceituoso. Aqui o erro me parece querer igualar retidão e seriedade no trabalho, ou mesmo na vida pessoal, com ausência de preconceitos. Desde quando o cara precisa ser vagabundo e malandro pra ser preconceituoso?

Dito tudo isso concluo: Barbara Gancia tentou ajudar o colega e nada conseguiu (ou talvez tenha até piorado a situação).

PS: Sobre o caso Casoy em si, vale a pena ler o texto do amigo Adolpho no blog Crítica Cotidiana.

2 comentários:

  1. Mas Zé, será que todos aqueles que se indignaram com a o Boris tem envergadura moral pra se indignar? Eu acho que 9 de cada 10 nao tem.

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  2. Eis a polêmica: não existe uma "hierarquia dos trabalhos" ou algo aproximado?

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