sábado, 23 de janeiro de 2010

A academia vermelha das humanas

Texto bem interessante no Na Prática a Teoria é Outra repercutindo matéria no New York Times sobre a predominância da esquerda entre os acadêmicos da área de humanas.

O argumento do NPTO me parece acertado: não são as faculdades de humanas que são de esquerda, as pessoas de esquerda que fazem faculdade de humanas. Isso é, não é por nenhum tipo de pressão ou doutrinamento interno que os alunos de humanas se tornam de esquerda, mas pelo contrário, os alunos já chegam predominantemente de esquerda nas faculdades de humanas.

O que atrai os alunos de esquerda para a área de humanas pode até ser por um lado a própria identidade da faculdade de humanas como de esquerda, mas aí entraríamos num problema do ovo e da galinha. A explicação dos caras da reportagem do NYT e corroborada pelo NPTO é mais interessante.

“A imagem do acadêmico como um cara crítico, meio pobre para o tanto que estudou, mas com certa autonomia no trabalho, atrai o pessoal de esquerda, que provavelmente não valoriza mesmo tanto o cara ser milionário e disciplinado.”

Acho que esse é um ponto chave: a carreira acadêmica, ainda mais no Brasil, é uma carreira fora (pelo menos em boa parte) da lógica de mercado – e por isso, mal remunerada se formos pensar em termos de formação acadêmica. Obviamente, pra alguém que não simpatiza muito com a idéia de “enriquecimento= sucesso na vida” é mais fácil se interessar pela carreira acadêmica; por outro lado, pra alguém que não simpatiza com a idéia de “enriquecimento= sucesso na vida” também é mais fácil desenvolver, em algum nível, uma postura crítica ao capitalismo e por isso se deslocar para a esquerda no espectro político.

O NPTO aprofunda mais essa idéia no sentido de que, apesar de as discussões na faculdade serem importantes, os alunos já chegam à faculdade com posições políticas bem definidas. Os comentários no post dele até agora tem criticado essa idéia, e eu concordo com a crítica. É claro que chegam alunos com posição política bem definida e mesmo com histórico de militância secundarista, mas certamente estes são uma minoria. Uma minoria barulhenta e importante qualitativamente, mas estatísticamente ainda uma minoria.

Mas por outro lado, o NPTO tem razão. Apesar de não chegarem politicamente tão definidos como ele parece imaginar, as pessoas chegam à faculdade com predisposições contra ou a favor de certas bandeiras que podem mudar, até bastante, nos detalhes, mas no geral tendem a se manter na grande maioria dos casos. E, principalmente, esse papo de “doutrinamento” postula uma ingenuidade e fraqueza intelectual dos alunos que não corresponde com a verdade.

Acho que é isso que explica, pelo menos em parte, uma questão que um amigo meu de direita da faculdade, o Felipe Svaluto, sempre coloca: por mais que o marxismo não tenha mais a força que chegou a ter no departamento de História da UFF, o máximo à direita que os professores se identificam é como social-democratas ou coisa do tipo. O Svaluto acredita que isso é exemplo da hegemonia do pensamento anticapitalista nas ciências humanas, e que isso é de certa forma uma demonstração de força do marxismo (é ruim falar pelos outros, mas eu acho que é isso que ele pensa sim). A explicação do NPTO dá um contraponto a isso, e me parece mais explicativa.

Porém, só pra complicar ainda mais esse quadro confuso, eu tenho outra questão quanto a isso: tenho lá minhas dúvidas quanto a esse pretenso domínio da esquerda nas faculdades de humanas, pelo menos nos departamentos de História. Concordo com o Svaluto que existe um discurso anticapitalista, pelo menos nas entrelinhas, na área de História, de uma maneira geral. Mas, acredito, muito desse discurso anticapitalista que se percebe em certas entrelinhas de professores que estão bem longe do marxismo nas suas pesquisas acadêmicas (e que pro Svaluto é prova de força do marxismo no imaginário político) são meros recursos retóricos.

Um exemplo disso, que eu estava discutindo justamente com o Svaluto dia desses no msn, foi uma afirmação de um medievalista brasileiro. O cara dizia algo como “o marxismo é excelente para analisar o capitalismo, mas para estudar a idade média não tem tanta força assim.” Lendo isso o Svaluto logo apontou “olhai, olhai! Ele dizendo que o marxismo é bom pra analisar o capitalismo, olha o discurso anticapitalista”.

Eu, porém, faço leitura bem diversa disso. Pra mim, esse “marxismo muito bom para estudar o capitalismo” é meramente retórico. Se esse camarada estudasse séc.XX, e não Idade Média, ele não falaria isso – estaria, pelo contrário, tentando mostrar como o marxismo é uma posição teórica ultrapassada. O que ele quer é se livrar do marxismo, mas como bater de frente com o marxismo requer uma força teórica que provavelmente ele não tem vontade nenhuma de construir, ele recorre a um discurso pronto, mais simples e pretensamente conciliador: “olha só, não tenho nada contra o marxismo, mas ele só serve pra estudar o capitalismo, afinal Marx tinha o séc. XIX em mente, não a Idade Média.

Claro que o o ponto que eu quis marcar nesses últimos parágrafos (as concordâncias com o marxismo são muitas vezes meramente retóricas) não muda necessariamente o ponto inicial: os acadêmicos de humanas em geral são de esquerda. Afinal de contas, não serem marxistas, ou mesmo serem antimarxistas em suas áreas de atuação acadêmica, não impede tais professores da área de humanas de se posicionarem sempre da social-democracia para cá (esquerda) do espectro político.

Mas são mesmo de esquerda esses professores? Eu tenho lá minhas dúvidas. Pelo menos nas paragens de Clio me parece que o antimarxismo ferrenho já tem levado professores para uma postura além-esquerda, por mais que quando instigados a se auto-rotularem eles possam tender a se posicionar como centro-esquerda. “É uma questão”, como diria uma falecida professora nossa, que também achava que “o marxismo é muito bom para estudar o capitalismo, mas para minha área de pesquisa não serve”.

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