sábado, 6 de fevereiro de 2010

Ciro Gomes, José Serra e o efeito “recall” nas pesquisas “estimuladas”


Dia desses descobri uma coisa bem óbvia, mas que eu nunca tinha pensado: é possível ter acesso aos números completos dessas pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais visitando o site dos institutos de pesquisa. Assim que descobri a roda isso, me animei em fazer algum tipo de análise desses números, até prometi isso no twitter. É algo temerário, alguém analfabeto em estatística como eu fazer isso, mas pode ser divertido também, e por isso me arrisquei. Escolhi a última das pesquisas publicadas, a CNT/Sensus nº100, realizada entre os dias 25 e 29 de janeiro.

Na minha modesta opinião, nesta altura do campeonato, os números mais importantes são os da sempre esquecida pesquisa de resposta espontânea (quando o entrevistado perguntado em quem votaria para presidente fala o nome que lhe convier, sem qualquer lista de candidatos entre os quais escolher).

Uma curiosidade que eu tenho e gostaria de analisar nessas pesquisas, é a interseção entre os que afirmam que votarão no candidato do Lula (ou no candidato do PT) e os que dizem que votarão em Dilma Rousseff na pesquisa de resposta estimulada (quando é apresentada ao entrevistado uma lista de candidatos). O gap dessa interseção, a meu ver, mostraria pelo menos em parte uma real potencialidade de crescimento da pré-candidata petista com o crescimento contínuo de sua exposição para o público como a candidata do Lula e do PT (e seria interessante para estudar a tal transferência de votos de Lula para Dilma de um jeito menos wishful thinking que o chute do presidente do ibope discutido abaixo)

Porém, esses dados inexistem nos relatórios da pesquisa que eu folheei. Enquanto os números da estimulada são detalhados a partir de diversos parâmetros (região, tamanho da cidade, escolaridade, renda, etc.), a espontânea é dada apenas em seus números gerais. Achei uma pena.

Mas então fui atrás de alguma coisa interessante para analisar, e achei uma ponto em que há maior riqueza de dados no relatório: o fator Ciro Gomes. O CNT/Sensus apresentou duas possibilidades de composição do quadro de candidatos a presidente: o primeiro com Ciro Gomes, Dilma Roussef, José Serra e Marina Silva; o segundo com apenas os três últimos, sem Ciro Gomes. A partir disso podemos tentar entender um pouco da transferência de votos que ocorreria com a saída de Ciro Gomes da corrida presidencial e também um pouco do próprio eleitorado de Ciro. A partir disso cheguei a algumas conclusões sobre o caráter das intenções de voto manifestadas nessas pesquisas.

Para essa análise parti de uma premissa que não corresponde com a realidade de fato, mas que metodologicamente torna o trabalho funcional e razoável. Assumi que a única diferença entre a estimulada com o Ciro e a sem o Ciro é a sua simples ausência: isto é, a única movimentação de votos que ocorre é a de eleitores de Ciro para outras respostas da pesquisa – isto se mostra falso de fato, por que em alguns sub-grupos os números de Dilma Rousseff e da opção “Não souberam/Não responderam” oscilam negativamente, o que para mim é um grande mistério: por que pessoas que votariam em Dilma com Ciro Gomes na disputa mudam de opção quando Ciro sai... mas estes são meandros das pesquisas de opinião pública que eu desconheço mesmo, culpa do meu analfabetismo no assunto que estou dando pitaco.

O primeiro ponto que destaco é quanto ao que me parece uma fragilidade da candidatura Ciro Gomes. Acompanhem meu raciocínio.  Na pesquisa de limite de voto (que consiste em oferecer quatro possibilidades de resposta para o entrevistado frente ao nome de um candidato: “único que votaria”, “poderia votar”, “não votaria” e “não conheço”), 8,2% dos entrevistados afirmaram que Ciro Gomes seria o único candidato em quem votariam. Suponhamos, então, que estes 8,2% fazem parte dos 11,9% que manifestaram intenção de voto em Ciro Gomes na pesquisa estimulada. Porém, quando o nome de Ciro sai da lista, estes 8,2% não migram para uma resposta “Não souberam/Não responderam” ou “Nenhum/Branco/Nulo” – apenas 0,1% migram para a primeira e 0,9 migram para a segunda. Todo o resto daqueles que “votariam apenas em Ciro Gomes” migram para outras candidaturas. Isso me dá a impressão que boa parte do eleitorado de Ciro Gomes está construído apenas no que alguns chamam de recall: os entrevistados manifestam intenção de voto em candidatos que já foram candidatos anteriormente (e por isso são mais conhecidos do público). Essa é uma hipótese um pouco precipitada da minha parte, mas ganhará força daqui algumas linhas, pois servirá de explicação para um dado importante.

Pois vamos lá, o que chama mais atenção de fato é para que candidaturas vão esses votos dos eleitores de Ciro Gomes (lembrando sempre daquela minha premissa metodológica fundamental que não corresponde totalmente com a realidade). 63,02% dos eleitores de Ciro Gomes (7,5% do universo geral dos entrevistados) passam a escolher José Serra como seu candidato quando o nome de Ciro é retirado das opções. Em um longínquo segundo lugar na preferência dos órfãos de Ciro está Marina Silva com 22,69% (2,7% do universo geral dos entrevistados). Ou seja, os eleitores de Ciro, um governista, curiosamente migram para as candidaturas da oposição. Apenas 5,88% dos que manifestaram preferência por Ciro na estimulada (meros 0,7% do universo geral de entrevistados) passam a manifestar intenção de voto em Dilma, a outra candidata governista, quando o nome do pré-candidato do PSB sai da lista.

Poderíamos estar frente a um dado que demonstraria que o discurso de candidatura plebiscitária usado pelo PT não está ecoando no eleitorado, pois eleitores de um governista migram para oposicionistas... mas acho que a explicação para este fenômeno não suporta esta leitura. Qual seria esta explicação? Avancemos no argumento, mas guardem esta palavra: recall.

Eu não sei bem como lidar com essas questões técnicas de pesquisa por amostragem, mas se tivermos que manter a margem de erro nesse caso (como me parece provável), a transferência de votos de Ciro pra Serra é ainda mais impressionante. É o único caso que ultrapassa (e bem) essa margem (a margem de erro da pesquisa é 3 pontos percentuais, a transferência de Ciro pra Serra é de 7,5, como vimos).

A consistência da transferência de votos de Ciro para Serra pode ser observada se nos atentarmos aos detalhes. Seguindo a mesma idéia da análise dos números gerais acima, analisei os números detalhados sob quatro parâmetros: região, porte da cidade, renda e escolaridade. Em todos (sem nenhuma exceção mesmo!) os subgrupos desses quatro parâmetros José Serra é o maior beneficiado da transferência de votos de Ciro Gomes. Em todos (sem nenhuma exceção mesmo!) esses subgrupos Serra cresce acima da margem de erro quando Ciro sai da disputa. Os números dessa transferência são bem estáveis em todos os subgrupos, sempre oscilando em torno dos 60% do eleitorado de Ciro.

A transferência de votos para Marina também é considerável, em seis dos dezessete subgrupos chega a ficar acima dos 3% da margem de erro. Já no caso de Dilma, a transferência nunca supera a margem de erro, em cinco dos dezessete grupos chega a oscilar negativamente e em outros dois chega ao cúmulo de cair abaixo da margem de erro (mas justamente nas duas mais altas faixas de renda, dois grupos pouco numerosos, no qual qualquer intemperança dos entrevistados afeta demasiadamente as porcentagens*).

O que poderia explicar esse comportamento inesperado do eleitorado? Eu vejo duas possibilidades. A primeira vai na esteira do que eu disse acima. Boa parte das intenções de votos nas pesquisas estimuladas ainda são, nesta altura do campeonato, determinadas pelo recall. Desta maneira, quando o nome de Ciro Gomes, alguém que já foi candidato, sai da lista, seus “eleitores de recall” migram para a única outra candidatura que se beneficia do mesmo mecanismo: a de José Serra. Isto é, muitos entrevistados ao se verem frente de uma lista de candidatos em um momento tão distante ainda das eleições acaba manifestando intenção de voto em Ciro Gomes motivados pelo conhecimento do candidato que já foi candidato (o tal do recall). Estas pessoas, ao perderem esta referência acabam fazendo outro recall, agora o de José Serra.

A segunda possibilidade de explicação é imaginar que Ciro Gomes significa uma válvula de escape para aqueles setores do eleitorado que a princípio não pretendem votar no PSDB, mas que também não aprovam o governo Lula. O problema desta explicação é que a transferência Ciro-Serra deveria variar mais por entre os diversos sub-grupos da amostragem caso esta fosse a explicação, se concentrando mais nos setores nos quais a aprovação de Lula não é muito alta.

Por isso acredito que, neste momento da corrida presidencial, essas pesquisas por resposta estimulada ainda são muito reféns do recall e precisam ser analisadas a partir deste dado.


*Pretendo escrever sobre essas curiosidades dos números que notei olhando no detalhe das pesquisas no próximo post.

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