quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Corrupção: por que votar em José Serra não é solução

Um tema que me parece recorrente na decisão de voto nessas eleições presidenciais, pelo menos dentro da classe média, é o problema da corrupção no governo petista. Muitas pessoas acreditam que o governo Lula teve grandes méritos, mas que estes foram conquistados graças ao controle de Lula sobre a turma do PT, controle este que teria se intensificado depois do episódio do Mensalão. Segundo esta linha de raciocínio ainda, a saída de Lula e uma possível eleição de Dilma seria um risco para as instituições brasileiras, por que com Dilma a turma do PT estaria livre do controle paternal do tio Lula e mostraria, enfim, todas as suas garras. O PT, dentro deste raciocínio, é um partido especialmente corrupto e que não mede esforços para implementar seus projetos ideológicos. O passo final desse raciocínio (que nem todos que defendem este raciocínio encampam, mas que a Veja defende ardorosamente) é que o PT está aparelhando o Estado em um projeto totalitário de poder.

Existem muitos problemas nessa linha de raciocínio e vou tentar mostrá-los dividindo minha argumentação em quatro momentos. O primeiro passo é identificar o que é, de verdade, a Corrupção no Brasil, esse mal que tanto nos assombra, que parece ser a grande chaga do país (ao menos segundo o discurso de boa parte da classe média). O segundo será mais simples, identificar que a turma do PSDB não é melhor opção ética do que a turma do PT. O terceiro passo visa corroborar essa tese dizendo que a corrupção durante o governo PT é a corrupção de sempre, e, especialmente, que esse papo de aparelhamento do Estado é sem sentido (isso é, que esse papo de turma do PT é bobagem). Por fim, ainda para corroborar a tese de que em matéria de corrupção, PT e PSDB são sujos falando de mal lavados, mostrarei que os governos do PSDB estão recheados de casos de corrupção (sendo a grande diferença pros casos do PT o fato de que a mídia costuma mostrar os casos do PSDB como independentes entre si, casos isolados, enquanto os casos do PT são mostrados como se fossem todos parte de um grande sistema de corrupção unificado).

1. O que é a corrupção no Brasil?
Vale a pena começar aqui pelo senso comum: corrupção é safadeza, falta de vergonha na cara. Em certo nível, obviamente, isso está certo. Não pela idéia óbvia, de que a carreira eleitoral atrai pessoas inescrupulosas e que para solucionar isso só colocando gente digna no lugar delas (esse é o raciocínio da campanha não reeleja ninguém, uma das coisas mais burras que já surgiu no cenário político brasileiro). O nível em que este raciocínio do senso comum está certo é o de que falta certa cultura política de valorização da coisa pública como bem público.

A cultura política brasileira ainda é dominada pelo patrimonialismo, a concepção de que a coisa pública foi conquistada pelo seu gestor público (seja via eleições, via concurso ou mesmo via indicação política) e que este tem o direito de utilizá-la a seu bel-prazer. Afinal de contas, aquela coisa pública foi conquistada pela pessoa, o que lhe daria o direito de dispô-la como seu patrimônio. Por exemplo, um vereador não vê problema nenhum em usar sua influência política para conseguir a liberação da planta da casa da dona Joaquina que foi embargada pela secretaria municipal de meio ambiente; um chefe de hospital público não vê problema algum em passar o seu sobrinho que tá com o braço quebrado na frente da fila da emergência para ser atendido antes; a pessoa não vê problema algum em o secretário municipal de obras “gente boa” mandar um trator e um caminhão para tirar umas terras que tão num terreno dela – e acha isso tão legal que vota no cara na eleição seguinte, quando ele é candidato a vereador...

Por que o mais curioso disso tudo é isso: a mesma pessoa que decide seu voto a partir do critério corrupção na eleição presidencial, com o discurso de que precisamos acabar com tudo isso que está aí, não vê problema nenhum em se utilizar das relações pessoais com gestores da coisa pública para ter acesso a bens públicos como se fossem bens privados. Essa é a cultura política hegemônica no Brasil, e não tem nada a ver com safadeza ou falta de vergonha na cara. Veja bem, é claro que um Maluf da vida é um safado sem vergonha na cara, mas a solução para a corrupção no Brasil não é uma limpeza moral e ética. Achar isso é não entender do que se trata de fato a corrupção no Brasil.

Por que, mais do que um problema de cultura política patrimonialista (que de fato existe), o problema da corrupção no Brasil é institucional. Pra explicar meu ponto aqui vou citar um texto do NPTO sobre as esperanças que eleitores da Marina Silva tinham de ela ser, finalmente, uma opção ética para a política brasileira:

Se você acha que o problema da corrupção no Brasil é que Lula ou FHC são cleptomaníacos, você provavelmente é uma mula, porque a outra desculpa – absoluta desinformação – dificilmente se aplica a quem lê blog de política como este.
A corrupção que alimenta nosso noticiário é um mecanismo de cooptação de apoio de parlamentares e forças políticas estaduais que se consolidaram em períodos não-democráticos da história brasileira (que é quase toda não-democrática). Esses grupos mantêm seu poder através da distribuição seletiva de favores em correntes de apoio parlamentarista, que vão da distribuição de um cargo a um aliado, em uma ponta, até o cabo eleitoral que garante 1000 votos em troca de uma grana, terminando no eleitor pobre que recebe algum favor do cabo eleitoral.
(Há outro tipo de corrupção, envolvendo lobbies e contribuições de campanha, que é mais difícil de combater, mas não vamos tratar disso aqui; basta dizer que é mais ligado ao primeiro tipo do que se pensa)
Se Marina Silva ganhar a presidência, vai ter que montar uma maioria parlamentar. No momento, os dois grandes blocos são PT-PMDB e PSDB-PFL. É possível que Marina governasse primeiramente com a turma do bloquinho (PDT-PCdoB-PSB), mas ainda precisaria de dois partidos grandes. E PMDB e PFL só podem ser conquistados com os métodos de sempre.
De maneira que a honestidade pessoal de Marina (na qual acredito sinceramente) não indica qualquer mudança fundamental no funcionamento dos mecanismos de corrupção que caracterizam a política brasileira. Os dois últimos presidentes brasileiros são, provavelmente, pessoalmente honestos, mas acabaram presidindo sobre governos corruptos pela necessidade de conquistar maiorias parlamentares para, enfim, governar.

As tais pessoas honestas ou dignas que vez ou outra aparecem como salvação para dar fim à corrupção só podem ser três coisas: (a) hipócritas que não pretendem mudar as coisas de fato e apenas se utilizam desse discurso com fins eleitorais, (b) pessoas bem intencionadas mas que não percebem qual é o problema de fato, (c) pessoas que sabem qual é o problema e querem criar medidas para de alguma maneira diminuir a força da corrupção (isso é, não é uma questão de trocar desonestos por honestos, mas de desmontar um sistema político existente). A grande verdade é que existe gente desses três tipos tanto no bloco PT-PMDB quanto no bloco PSDB-DEM, talvez com os tipos “c” se concentrando no PT e no PSDB, mas acho o NPTO benevolente demais com estes dois quando coloca a conta do fisiologismo toda no PMDB e no DEM.

2. PT e PSDB frente ao sistema corrupto
A grande verdade é que PT e PSDB se renderam nessa batalha. Os dois partidos, frutos progressistas da redemocratização da década de 80, ao elegerem presidentes, compraram o jogo do jeito que ele estava, o jogaram para conseguir o apoio necessário para a governabilidade dentro do quadro institucional existente e conseguiram o que queriam. As poucas tentativas de mudança no jogo nunca foram efetivas ou mesmo edificantes (como o caso do mensalão, que foi uma tentativa do PT de conseguir montar uma base aliada sem precisar rifar a máquina pública, só que comprando deputados... deu a cagada que deu e aí eles voltaram pro sistema tradicional, tendo que se render à Sarneys e Renans da vida...). Com o apoio conquistado desta maneira, PT e PSDB fizeram o que acreditavam que tinha que ser feito dentro de seus projetos políticos, fazendo concessões aqui e ali para conseguir manter a governabilidade.


Isso aqui é importante: eu não absolvo o PT por isso. Muito mais do que o PSDB, o PT foi eleito contra esse sistema político corrupto. Lembro claramente de um amigo de escola, anti-petista até o último fio de cabelo, dizendo, logo depois da vitória de Lula em 2002, algo como “bom, o PT vai levar o país à falência, mas pelo menos deve acabar com a corrupção que existe no congresso”. Era esse o nível das expectativas (frustradas). É claro que combater isso é dificílimo, até por que não depende de meras canetadas presidenciais. Como o NPTO coloca acima, o governo tem que negociar com poderes constituídos há décadas nos estados para poder garantir a sustentação política no congresso, e enquanto esses poderes se mantiverem é difícil acabar com a corrupção. Mas o PT precisava ter feito mais nesse sentido, não podia ter se rendido como se rendeu à mera governabilidade.

Aqui tá um ponto de limite importante à minha adesão à campanha Dilma Roussef (existem muitos outros). Pra quem não sabe, estou longe de ser um eleitor natural do PT (na conjuntura atual, em 2002 eu era...) e votei PSOL de cabo a rabo no primeiro turno, até por acreditar que o PSOL pode retomar diversas bandeiras importantes que o PT queimou quando se tornou governo. Mas estamos no segundo turno e agora é uma questão de escolha do menos pior, e no quesito que estou analisando neste texto, a corrupção, não existe um menos pior. O PSDB não é essencialmente corrupto, nem o PT (o que não significa que não existam grupos corruptos dentro dos dois partidos). Ambos os partidos compraram as regras do jogo fisiológico dos grupos políticos que existem no cenário nacional (o PT teve mérito de escantear o PFL-DEM, mas abraçou o PMDB...) e o utilizaram em benefício de seus projetos de poder. Ou seja, votar José Serra no dia 31 de outubro acreditando que este voto é a favor da ética ou do combate à corrupção é um grande erro de análise.

Se você concorda com este ponto, o empate entre PT e PSDB no quesito “corrupção”, não precisa nem continuar a ler. O que pretendo a partir daqui é apenas provar este ponto. Se você acha que estou errado por acreditar que o PT faz um tipo especial de corrupção (o aparelhamento da máquina estatal pelo partido), leia atentamente a parte 3. Se você não acha isso, mas acha que a corrupção tradicional ganhou força sob o governo PT, leia a parte 4. Se você acha as duas coisas, que o PT aparelha o Estado e que houve um aumento da corrupção tradicional nos últimos oito anos, bem, leia o texto todo. Tá grande, eu sei. Não sou bom em sínteses, mas veja pelo lado bom: to levando isso aqui tão a sério a ponto de gastar tanto tempo escrevendo...

3. Existe um aparelhamento da Máquina pelo PT?
Essa minha interpretação sobre o problema da corrupção no Brasil diverge da narrativa que a grande mídia, especialmente a Veja, estabeleceu para a análise da corrupção no governo Lula. Segundo esta narrativa, a corrupção no governo Lula não seria igual à corrupção nos governos anteriores. Para a Veja (e quem mais concorda com isso, ouvi esse papo dias desses num churrasco...) o PT estaria aparelhando o Estado, isto é, estaria tornando o Estado um aparelho, um instrumento, dos interesses do partido. Muita gente reproduz isso por aí sem perceber que a acusação difere das acusações tradicionais que nos acostumamos a ouvir e repetir sobre corrupção. Aqui, a acusação não é meramente de safadeza ou falta de vergonha na cara. Os petistas, segundo a Veja e cia., não pretende enriquecer com a corrupção (ou, pelo menos, não só isso). Os petistas querem aparelhar o Estado para se manterem no poder e implementar seus projetos ideológicos. Reparem a diferença: a gente costuma acusar políticos de “não ligarem para o povo” e só quererem “enriquecer”. O que a Veja diz é que o PT corrompe pra implementar projetos ideológicos (e eles falam ideológicos aqui pra dar um tom negativo, por que caberia muito melhor o termo projeto político). Esse aparelhamento seria um problema não por que estão “roubando o povo”, como a retórica anti-corrupção clama tradicionalmente, mas por que seria um golpe na democracia. Daí pra achar que o PT quer acabar com a democracia no Brasil é um pulo (um pulo idiota, vale frisar). É importante dizer isso pra deixar as coisas claras, por que o que tem de gente confundindo as coisas (corrupção tradicional e aparelhamento do Estado) e falando um monte de bobagem não tá no gibi.

Mas o PT está mesmo aparelhando o Estado? Eu não tenho como responder melhor essa pergunta do que o NPTO (ele de novo, o cara é bom), vou só acrescentar comentários em itálico e entre colchetes. Analisando uma reportagem da Veja que acusava o PT de fazer aparelhamento, ele disse o seguinte (o texto é grande, mas se você acha que o PT aparelha o Estado, leia. Dificilmente você vai continuar achando isso depois de ler):

3.
Bem, mas tem um negócio a respeito do qual eu posso, sim, dar opinião. Como eu já disse, o crime da Receita é só um crime isolado até você ligá-lo à direção do PT (o que ninguém fez até agora) e/ou inseri-lo em uma narrativa em que o PT é singularmente corrupto e singularmente preocupado em aparelhar o Estado. A Veja gasta, na verdade, mais espaço tentando fornecer esse background do que propriamente esclarecendo o caso da Receita, e é isso que eu quero discutir.

Por caridade, não vou comentar o quadro “Cidadãos Indignados”, que, em uma amostra aleatória da população brasileira, sorteou o Roberto Freire, o Denis Rosenfield, o Marco Antonio Villa, o Rodrigo Maia (hehehe), e,surprise, surprise, o Magnoli. Só digo o seguinte: isso é preconceito contra o Olavo. Porque só ele ficou de fora? [ele tá sacaneado o fato de a grande mídia sempre ouvir os mesmos “especialistas” que dão sempre as mesmas opiniões que são sempre o que as reportagens querem ouvir mesmo... espaço pra pluralidade de idéias zero em certos veículos do jornalismo brasileiro. Se esse assunto te interessa, leia o texto do Idelber Avelar sobre isso]

4.
O primeiro movimento no texto para provar que o PT, sistematicamente, aparelha o Estado, é um quadro com diferentes escândalos, a saber: o mensalão, a violação do sigilo do Francenildo, os aloprados de 2006, a abertura dos dados sobre os cartões corporativos, a Satiagraha (?), e o caso Lina.
a.
O mensalão é um caso de corrupção que constitui muito mais a regra do que a exceção na nossa história política. Todos os corruptos que fizeram aliança com o PT tinham feito aliança com o PSDB (e com todo mundo antes deles): alguém acha que antes do PT eles faziam alianças ideológicas? A propósito, também está claro que qualquer corrupto que desista do PT e resolva voltar para casa será recebido de braços abertos pela oposição: estão aí o Roberto Jefferson e o Quércia que não me deixam mentir.
b.
A violação do caseiro, sim, foi abuso de poder. Nesse caso, sem dúvida, nos comportamos de maneira torpe. A propósito, o cara, só para nos envergonhar ainda mais, não aceitou participar do programa do Serra (imaginem o quanto não ofereceram), e está com o Plínio. Já tivemos mais petistas como esse rapaz, esperemos que voltemos a ter mais no futuro.
c.
O caso dos aloprados tinha duas dimensões: uma era a tentativa de montar um dossiê contra o Serra, algo inteiramente legítimo e parte do jogo democrático (desde que, naturalmente, não se faça nada de ilegal para conseguir as informações). Se você chegar nos EUA e disser que no Brasil tem um partido que faz dossiês contra seus adversários, eles vão dizer, aqui tem pelo menos dois. O problema no caso dos aloprados era outro, era a origem do dinheiro, que vinha, se não me falha a memória, de caixa 2. Nenhum órgão da administração pública foi mobilizado nessa história. Não é, portanto, evidência de aparelhamento.
d.
O caso dos cartões corporativos é uma história até hoje meio mal contada, que até hoje me impressiona pela irrelevância. O PT teria feito um dossiê sobre gastos de tucanos com o cartão corporativo. Pelo bem do argumento, e por minha falta de paciência de pesquisar um negócio sem importância desses, vamos contar que seja abuso de poder.
e.
A Satiagraha pode ter tido algum abuso de poder, mas não foi do PT. Dêem uma olhada na reportagem que saiu na Piauí desse mês sobre o Protógenes, escrita por um cara que é eleitor da Dilma. O artigo desce o pau no Protógenes, mostra que o grande objetivo do Protógenes era conseguir ligar o Dantas ao Zé Dirceu, e que há, inclusive, evidências de que a investigação produziu um dossiê sobre a Dilma.

Digamos que todas as acusações de incompetência do autor da reportagem contra o Protógenes sejam falsas. Ainda assim, o que se vê é muita gente do PT puta com o Protógenes. O cara é meio que um franco-atirador, e é um péssimo exemplo de disciplinado militante petista dentro da máquina pública, se é disso que se lhe quer fazer de exemplo.
f.
E o caso Lina é um disse-me-disse a respeito de Dilma ter pedido para as acusações contra o Sarney serem investigadas mais rápido. Pelo bem do argumento, vamos supor que Lina estivesse dizendo a verdade: seria um caso de favorecimento político de aliados envolvidos em corrupção. Taí um negócio que, realmente, só passou a existir depois do PT. [Esse é o ponto, galera! – pra quem tá lendo distraído, ele tá sendo irônico...]  Estou muito menos disposto, aliás, a conceder o benefício da dúvida nesse caso.

E há as contra-evidências de aparelhamento: a PF foi muito mais atuante sob o PT do que em qualquer outro período, inclusive contra o governo. O Tarso Genro, por exemplo, não avisou o Lula que o filho dele estava sendo investigado, o que, isso sim, deve ter acontecido pela primeira vez na história brasileira. Não há mais engavetador-geral da República. [Pra quem não lembra, o procurador-geral da República do governo PSDB, Geraldo Brindeiro, que teria por função fiscalizar judicialmente as ações do Congresso, do Presidente e demais poderes, ganhou esse singelo apelido por que os processos que corriam contra FHC e seus aliados eram sistematicamente engavetados. De 626 inquéritos criminais que recebeu, engavetou 242 e arquivou outros 217. Somente 60 denúncias foram aceitas. Verdade seja dita, isso não ocorreu no governo PT e os petistas alegam que a percepção de corrupção no governo deles é maior porque o combate é maior, antes ficava tudo embaixo do tapete. Ou dentro da gaveta].

E, algo que nunca poderia ter faltado em uma discussão sobre aparelhamento do Estado – certamente não faltaria em uma discussão nos EUA – Lula nomeou diversos ministros do STF que têm perfil ideológico diferente do governo, a começar pelo mais conservador de todos, Carlos Alberto Menezes Direito. O Toffoli é um cara politicamente mais próximo do governo, mas, no quadro de, na minha conta, seis nomeações (errei a conta?), é muito pouco para falar em aparelhamento. Olhem as nomeações do FHC: Gilmar. Mendes. [Esse texto foi escrito antes do escândalo – que não repercutiu na mídia, por que será né? – da ligação do Serra para o Gilmar Mendes. Isso sim é aparelhamento de Estado, só que por parte do PSDB. Não sabe do que eu to falando? Leia a reportagem sobre o assunto que é importante e significativo]

Ou seja: na pior das hipóteses, teríamos dois casos de abuso de poder em 8 anos de PT: a violação do sigilo do caseiro e o caso dos cartões corporativos. É, rapaz, é exatamente esse o caso na Rússia do Putin, para ficar no exemplo sugerido pelo Magnoli (porra, Magnoli, você está enterrando a carreira, e duvido que esteja ganhando tão bem para isso): não é que o Putin assassine jornalistas dissidentes, é que ele uma vez violou os gastos com cartão corporativo dos caras. [Isso é, na Rússia existe aparelhamento, no Brasil não. A comparação de Magnoli, o acadêmico amestrado da vez, é esdrúxula]

Vejam, não é que esses casos não sejam graves, ou não constituam crimes e erros. É que não há nada aí que não possa ser explicado pelos ocupantes de cargos no governo serem ambiciosos politicamente ou gananciosos financeiramente. Não há nada aí que, pare ser explicado, exija a tese do projeto totalitário. A corrupção, a propósito, não só não levou à implantação do totalitarismo, como pode ter mesmo causado seu fim (taí um herói que recebeu poucas homenagens, o estelionatário do mercado negro soviético).

5.
Mas o principal argumento da Veja está na matéria “O Partido do Polvo”, que vem logo depois. Começa assim:
“Quando a máquina pública passa a ser controlada por pessoas ligadas umbilicalmente a um partido político, e este, a sindicatos, acaba de ser criado um poder independente no país. Nesse poder, os ditames do corporativismo, das inclinações políticas e dos interesses comuns da burocracia estatal oficial valem mais do que as leis. Seus integrantes estão sempre de acordo sobre as grandes questões políticas e obedecem cegamente a um líder carismático.”

A frase seguinte é tão boa que merece esperar para ser discutida em separado. Vamos às idéias contidas no primeiro parágrafo:

1. “Quando a máquina pública passa a ser controlada por pessoas ligadas umbilicalmente a um partido político…”, isto é, na democracia moderna; ou seja, para a Veja, o primeiro problema do PT é o “P”, ser um partido, como Democratas e Republicanos, Trabalhistas e Conservadores, e como nada na direita brasileira é. [Isso é importante: nego critica o PT por usar a máquina pública para implementar as coisas nas quais eles acreditam – ideologia é isso, pra quem não se lembra. Porra, queriam que usasse a máquina pra que? Pra ganhar dinheiro? Ou queriam que desmontasse a máquina? Quem não é privatista agora é corrupto?]

2. “…e este, a sindicatos…”, isto é, em um regime sem voto censitário em que os sindicatos, como em todo o mundo desenvolvido, formam seu partido político e têm chance de ganhar. O segundo problema do PT para a Veja é o “T”, ser um partido dos trabalhadores. Mais sobre isso adiante.

3. Se o que está em jogo são “os interesses comuns da burocracia estatal”, o que houve foi estatização do Partido, não partidarização do Estado.

4. “Seus integrantes estão sempre de acordo sobre as grandes questões políticas…” deve ser uma frase que entrou por engano, pois nenhuma cavalgadura seria tão dura e cavalga a ponto de dizer isso sobre o PT. [cabe explicar: o PT é conhecido historicamente por ser MUITO dividido ideologicamente entre diversas tendências... dizer que todo mundo sempre está “de acordo” parece piada mesmo...]

5.”…e obedecem cegamente a um líder carismático” deve ter entrado só para tentar completar o álbum do Economia e Sociedade do Weber: afinal, já foi dito que prevalecem os interesses da burocracia, os interesses corporativos (que, imagino, não são só os dos burocratas, mas também dos setores sindicalizados), só faltava os do líder carismático, que, na tradição sociológica, é praticamente o contrário da gestão burocrática e/ou dos agentes movidos por interesses corporativos. Se os militantes/burocratas seguem a palavra do líder, não estão representando seu próprio interesses, se representam seus próprios interesses, o Estado está fechado a interesses corporativos, se o que vale são os interesses corporativos, os corporativistas estão pouco se lixando para o carisma do Lula. [isso é importante e engraçado: pra dar um verniz pomposo, o repórter quis usar categorias sociológicas weberianas. E aí acusou o PT de se basear, ao mesmo tempo, na burocracia e na liderança carismática, que são tipologias opostas em Weber. Ou seja, neguim não sabe do que tá falando... o que é comum em se tratar de Veja]

Para completar o álbum, só faltou alguma coisa a respeito de tradição, mas isso não dava pra botar, porque seria necessário fazer referência a tudo que se sabe sobre a história do Estado Brasileiro e sua tradição patrimonialista. Nada disso existiu, pois
“Desde 2003, as promoções de funcionários públicos não são mais baseadas no mérito, e sim na afinidade política.”

Desde 2003. Desenterrem o Faoro que eu quero chutar o defunto. Empacotem a biblioteca do Sérgio Buarque de Hollanda na Unicamp. Esses caras não sabiam nada. Até 2003, o Estado brasileiro era o tipo ideal weberiano de dominação racional-legal. Aliás, com essa a Veja rompe de vez com o ideário liberal: pois não era porque o Estado brasileiro era um Leviatã paquidérmico e corrupto que a gente tinha que privatizar as coisas? Qual governo do PT teve antes do FHC ter que desmontar a coisa toda? [esse é o ponto, pessoal, esse é o ponto!]

Mas agora é que fica bom:
“Eles [os militantes - NPTO] se comunicam remotamente e coordenam suas ações como que orientados por feromônios, de modo que, mesmo sem trocar palavras sabem, caso a caso, o que é do interesse maior do grupo e agem de acordo com ele. Em seu estágio final, essa hierarquia paralela se organiza como uma sociedade secreta e resiste até mesmo à alternância do poder político.”

Ferom…rapaz, eu não conseguiria inventar uma porra dessas se tentasse. O PT é o coletivo Borg.  Quando o Lula tem uma idéia, o Dirceu dá um cheirinho nele, e já sai dali com aquela coisa de metalúrgico suado impregnada em seu corpo filocastrista. Quando encontra o Palocci, rola um olho no olho, um lance de pele, e ele dá aquela suada em jato pra cima do trostsko, que sai dali embebido para roçar a barba na barba do Genoínio e, porra, esses caras da Veja não podem sair publicando suas fantasias numa revista de família. Chat da Internet está aí pra isso mesmo.

O que esta merda de parágrafo está fazendo aí? Está deixando claro que não encontraram link nenhum entre a violação do sigilo e a campanha da Dilma. O link, então, foi a troca de ferormônios. O que dizer, meu amigo, o que dizer?

Mas esse artigo da Veja eu fiquei feliz em guardar. É um documento histórico, prova do reflexo reacionário manifestado por parte da sociedade brasileira diante da chegada à presidência de um partido dos trabalhadores. O resto do artigo se dedica a denunciar que tem sindicalista no governo. Vejam, por exemplo, esse trecho:
“Desde 2003, quando Lula chegou ao poder, seus seguidores aceleraram uma operação de conquista de postos-chave do Estado que, aliás, já vinha sendo disciplinadamente seguida em governos anteriores sem que soassem alarmes [NPTO: como, rapaz?]. Dos quarenta cargos mais cobiçados do governo, os partidários de Lula e filiados ao PT ocupam 22. Nesses postos eles controlam orçamentos anuais que, somados, chegam a 870 bilhões de reais. Isso representa um quarto do produto interno brasileiro, ou seja, que 25% da riqueza nacional está sob administração direta de quadros partidários e ligados a sindicatos e centrais sindicais, todas comprometidos com um programa duradouro de poder.”

Bom, rapaz, agora eu vou revelar em primeira mão pra você como é que esses caras ganharam esse poder todo: ELES GANHARAM A PORRA DA ELEIÇÃO, CARALHO. Todo mundo que ganha a porra da eleição, caralho, adquire controle sobre o Estado (dã), e, se o Estado controlar 25% do PIB, é essa a porcentagem que eles vão controlar.

Aí eu pensava que o cara ia enveredar pelo caminho de dizer que os quadros petistas são menos competentes que os tucanos. Eu, pessoalmente, não estranharia se fossem. Quando um grupo novo chega ao poder, ainda não sabe governar, e só governando aprende. Vocês já viram o que faziam os dissidentes que foram alçados ao poder após o fim do comunismo? Ninguém ali tinha a menor experiência utilizável na administração pública: eram filósofos, artistas de vanguarda, operários. Poucos anos depois da transição, os partidos comunistas da região voltaram ao poder em massa, após abdicar do comunismo propriamente dito, vencendo eleições com a bandeira da competência técnica (era verdade, os caras tinham governado o país por cinquenta anos, acabaram aprendendo alguma coisa). Quem se interessar pelo tema pode checar o livro da Anna Gryzmala-Busse.

Mas não é disso que fala a reportagem da Veja. Ó só:
“(…) os funcionários públicos guindados pelo PT têm, em média, boa formação escolar e seriam pessoas certas no lugar certo não fosse sua devoção a uma causa partidária.”

Ou seja: o problema dos petistas que o PT alçou a cargos melhores não é eles terem sido alçados a cargos melhores, é que eles são petistas. Bom, aí não tem jeito, né, rapaz. Se o problema do petista é que ele é petista, não é difícil provar que ser petista é um problema. Assim, até eu.

E o impressionante é que a reportagem segue ignorando solenemente a informação de que os petistas no Estado têm qualificação para ocupar os cargos que ocupam, informação prontamente disponível para o autor da matéria se olhasse para a tela enquanto digita. Pois o texto continua como se o parágrafo acima não tivesse existido:
Antes de Lula e do PT, esses cargos eram ocupados em parte por indicação política, já que a maioria dos postos era reservada para especialistas de reconhecido conhecimento técnico [que merda de frase, hein, meu filho - NPTO]. No governo Lula, 45%  desses cargos foram entregues a sindicalistas, sendo que, entre eles, 82% são filiados ao PT.

Bom, mas, como vimos, o nível desses sujeitos era compatível com os cargos ocupados. Como vimos aí em cima, mané. Olha pra cima, lesado. Tá aí, foi você que escreveu.

E, pra terminar, dois boxes: em um deles, descobre-se que o partido que ganhou as eleições indicou os ocupantes dos cargos que devem ser indicados por quem ganhar as eleições. Bom, que é, é. No segundo, quatro informações:

1) desde a chegada de Lula à presidência, seis mil funcionários públicos se filiaram ao PT. Isso não surpreende, visto que o PT deu aumentos de salários muito mais generosos ao funcionalismo do que o PSDB, carinhosamente chamado pelos professores de São Paulo de Pior Salário Do Brasil. O cara apóia o partido que atende melhor seus interesses, nenhuma surpresa aqui.

2) há uma porrada de cargos de confiança. Sim, mas os ocupantes desses cargos antes do PT não eram concursados, tampouco. Nessas horas, sempre me lembro dessa excelente historinha contada pelo Alon:
A brigalhada pelo comando dos fundos de pensão faz lembrar uma história que conheço há mais de trinta anos. Uma piada de centro acadêmico. E nem é tão piada assim. Dois líderes de facções adversárias conversam para tentar montar uma chapa de consenso na entidade. Estão num impasse. Quem fará a maioria? Um dos dois chefes políticos tem a ideia. “40% para vocês, 40% para nós e o resto para os independentes.” O outro sorri. “Ótimo. A gente interrompe a conversa agora e voltamos a falar amanhã de manhã. Eu trago a lista dos meus independentes e você traz a dos seus.”

A propósito, o número de cargos de confiança deveria mesmo ser drasticamente reduzido. [quando eu falo que o PT podia ter feito mais no combate à corrupção, é de medidas como essa que eu falo. Não fizeram por que resolveram comprar o jogo como estava posto, afinal de contas, como garantir uma base de sustentação no congresso sem ter um monte de cargos para distribuir?].

3) Desses cargos de confiança, 45% foram entregues a sindicalistas. Ou seja, menos da metade dos cargos que podem ser ocupados por quem o governo indicar, sob um governo do partido dos sindicalistas, é ocupada por sindicalistas. Se o número impressionar por alguma coisa, é por ser baixo.

4) Entre esses sindicalistas, 82% são filiados ao PT. O que se deve, naturalmente, a ter sido o PT que ganhou a eleição. Talvez seja essa a informação que tenha faltado ao autor da reportagem. Não culpem o rapaz: se ele só ler a revista em que trabalha, pode ser perdoado por ter deixado essa passar.

5) 70% dos funcionários públicos filiados ao PT foram promovidos após a filiação. Bom, a primeira coisa a se dizer aqui é que esse número é suspeito até se efetuarem os controles estatísticos necessários. Aliás, seria fácil fazer isso com os dados apresentados na pesquisa da Maria Celina (base da reportagem), e seria legal se alguém fizesse. A própria reportagem admite que muitas dessas promoções poderiam ter ocorrido de qualquer maneira (e muita promoção no serviço público é, na prática, por idade). Agora, alguém fica chocado porque o partido no poder recruta para cargos mais altos gente afinada com seu projeto? Vocês não sabem que quando o PSDB ganha a eleição, no Itamaraty – para ficar no exemplo de uma ilha de excelência bem excelente – os melhores cargos vão para gente mais à direita? Bom, se não souber, é só você que não sabe.

E, para ficar em outro contra-exemplo óbvio para a tese do aparelhamento, inexplicavelmente não discutido na reportagem, o PT deu o Banco Central a um tucano. No governo FHC, tudo que levamos foi o Ministério da Cultura, que recebeu tão pouca verba que a festa dos 500 anos foi organizada pelo Ministro do Turismo (o felizmente esquecido Rafael Greca, do DEM, que fez aquela caravela que afundou).

6.
É claro que há petistas corruptos, petistas gananciosos, esquemas envolvendo dirigentes partidários com empresários corruptos. E também os há direitistas. E não há qualquer sinal que os haja menos.

Mas, por enquanto, não há evidências para a tese do aparelhamento do Estado pelo PT, no sentido forte que se dá ao termo, de submissão radical da máquina estatal ao partido. Pode ser que venha a haver, e digo mais, se nas próximas eleições a oposição não for capaz de fazer algo melhor do que tem feito, o PT tende mesmo a se corromper de maneira mais global, como tenderiam os tucanos fôssemos nós os eleitoralmente ineptos.

Mas o exercício sociológico feito pela Veja é simplesmente azevêdico [de Reinaldo Azevedo, o crítico do governo PT que tem de ácido o que tem de burro – e não é pouca coisa]. A tentativa de produzir um background narrativo contra o qual projetar novas denúncias até a eleição foi um fracasso constrangedor, ao menos no nível intelectual (e, ao que parece, o tem sido também no nível eleitoral). Mas, é claro, na matéria já há o recurso teórico que cumpre papel semelhante à tese dos ferormônios: é que, a partir de certo ponto, o grupo no poder se constitui em sociedade secreta. Daí em diante, se não aparecerem evidências de nada do que está previsto aqui, a explicação é simples: é que é tudo secreto.

7.
E, se vocês têm dúvida de que a edição da semana passada deveria dar o background para a edição, de capa quase idêntica (só mais avermelhada), dessa semana, a nova denúncia já começa assim:
“A reportagem de capa de Veja da semana passada relatou o escândalo da quebra de sigilo de adversários políticos promovida por militantes do PT e deu uma visão panorâmica da imensidão e profundidade do aparelhamento do estado brasileiro por interesses partidários. A presente reportagem foca nos detalhes de um caso de aparelhamento muito especial. [ênfase: NPTO]”

“Panorâmica”, no caso, quer dizer vista de tão longe que nenhum dos traços do fenômeno real permanecem identificáveis, e do borrão resultante qualquer um faz o teste de Rorschach que lhe convém. Na falta de feromônios que os articule, os argumentos levantados pela Veja permanecem uma coleção de baboseiras sobre o PT coladas sobre o trabalho da Maria Celina, da qual são tirados alguns  percentuais bastante simples.

E, na falta disso, mesmo na hipótese de tanto a denúncia da semana passada quanto a dessa semana serem verdade, a tese que a Veja quer vender, a que realmente poderia impressionar os eleitores formadores de opinião – é preciso derrotar o PT porque, não obstante os bons resultados de seu governo, ele tem um projeto totalitário de poder – revela-se apenas um exercício de sociologia aloprada.

Concorda que não existe aparelhamento? Pula pro próximo ponto... Você não se deu por satisfeito? Ainda acha que o governo do PT aparelhou o Estado? Bom, saiba o seguinte então:

Primeiramente, acesse este documento aqui: o Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, última edição, de julho deste ano.


Vejamos: na página 33, você pode ver que há hoje, no Executivo federal, um total de 570 mil servidores civis na ativa.
Os ocupantes de DAS (cargos de direção e assessoramento superior) são 21,6 mil (página 107).
Porém, os de recrutamento amplo, ou seja, aqueles que foram nomeados sem concurso, sem vínculo prévio com a administração, são quase 6 mil (página 109), ou pouco mais de 1% do total de servidores civis. Se você considerar apenas os cargos que são efetivamente de chefia (DAS 4, 5 e 6), não chegam a mil e quinhentos.
Parece bem menos do que se diz por aí, não é mesmo? Agora vamos lá: para que servem esses cargos? Não custa dizer o óbvio: em democracias contemporâneas, o grupo que ganha o poder via eleições imprime ao Estado as suas orientações políticas. Em alguns países, o número de comissionados é maior (caso dos EUA); em outros, menor (como na Inglaterra). É natural que seja assim. 
O que dizem os estudos internacionais sérios sobre a máquina administrativa brasileira? Vá aqui e baixe um estudo da OCDE sobre o tema. No Sumário Executivo, você verá que o Brasil não tem servidores públicos em excesso, embora o contingente de servidores esteja em expansão e ficando mais caro; que há necessidade de servidores sim, para atender às crescentes demandas sociais; que uma boa gestão de RH é essencial para que isso se concretize; e que o governo federal deve ser elogiado pelos seus esforços em construir um funcionalismo pautado pelo mérito.
Vamos então falar de meritocracia? O que importa é que o governo Lula perseguiu uma política de realização de concursos e de valorização do servidor público concursado sem precedentes. Basicamente, com os novos concursos, a força de trabalho no serviço público federal retomou o mesmo patamar quantitativo de 1997. A maior parte dos cargos criados pelo PT, porém, foipara a área de educação: para as universidades e institutos técnicos já existentes ou que foram criados. Volte no Boletim Estatístico e veja a página 90, sobre as novas contratações em educação. Houve muitos concursos para Polícia Federal e advocacia pública, além de outras áreas essenciais para o bom funcionamento do Estado.
O governo Lula regulamentou os concursos na área federal (veja os arts.10 a 19 deste Decreto), recompôs as carreiras do ciclo de gestão, dotou as agências reguladoras de técnicos concursados (veja a página 92 do Boletim Estatístico), sendo que nos tempos de Fernando Henrique, elas estavam ocupadas por servidores ilegalmente nomeados.
E então? você ainda acha que houve inchaço da máquina pública? Dê uma olhada nos dados deste estudo aqui.
E os tucanos, que alegam serem exímios na gestão pública? O que têm para mostrar?
Nos tempos de FHC, o contingenciamento levou à sistemática não realização de concursos. Para atender às demandas de serviço, a Esplanada nos Ministérios se encheu de terceirizados, temporários e contratados via organismos internacionais, de forma ilegal e irregular. Eram dezenas de milhares deles. Em 2002, apenas 30 servidores efetivos foram nomeados! O governo Lula teve de reverter isso, daí a realização de tantos concursos públicos.
Você sabia? O Estado de São Paulo, governado por José Serra, tem proporcionalmente mais ocupantes de cargos em comissão por habitante do que o governo federal. 
E os técnicos, concursados, como são tratados por lá? Bem, eles não estão muito felizes com o Serra não. 
Talvez porque as práticas que o PSDB mais condena no governo federal sejam justamente aquelas que eles praticam no governo estadual...


Bom, é isso. Se você continua achando que o PT aparelha o Estado depois de ter lido esses textos me explique o seu argumento que eu to bem curioso!

4. Escândalos de corrupção do PSDB

O fato de não haver aparelhamento do Estado não resolve muito o problema. Pode ser que o governo PT tenha aumento a roubalheira tradicional, muita gente pensa assim (li isso num e-mail de uma amiga hoje, por exemplo). Será que isso é verdade? Faça uma lista de grandes escândalos de corrupção no PT e veja se é maior ou mais impressionante que essa lista de escândalos do governo FHC:

O escândalo do Sivam
O contrato para execução do projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), um projeto de 1,4 Bilhão de dólares, foi marcado por escândalos. A empresa Esca, associada à norte-americana Raytheon, e responsável pelo gerenciamento do projeto, foi extinta por fraudes contra a Previdência. Denúncias de tráfico de influência derrubaram o embaixador Júlio César dos Santos e o ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Mauro Gandra.  Mas a CPI instalada no Congresso, após intensa pressão, foi esvaziada pelos aliados do governo e resultou apenas num relatório com informações requentadas ao Ministério Público. 


Lobby na privatização da Telebrás
Durante a privatização do sistema Telebrás, grampos no BNDES flagraram conversas de Luiz Carlos Mendonça de Barros, então ministro das Comunicações, e André Lara Resende, então presidente do BNDES, articulando o apoio da Previ para beneficiar o consórcio do banco Opportunity, que tinha como um dos donos o economista Pérsio Arida (além do hoje famoso Daniel Dantas), amigo de Mendonça de Barros e de Lara Resende. Até FHC entrou na história, autorizando o uso de seu nome para pressionar o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. A negociata teve valor estimado de R$ 24 bilhões. Apesar do escândalo, FHC conseguiu evitar a instalação da CPI.


Escândalo da Pasta Rosa
Pouco depois, em agosto de 1995, eclodiu a crise dos bancos Econômico (BA), Mercantil (PE) e Comercial (SP). Através do Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro (Proer), FHC beneficiou com R$ 9,6 bilhões o Banco Econômico numa jogada política para favorecer o seu aliado ACM. A CPI instalada não durou cinco meses, justificou o “socorro” aos bancos quebrados e nem sequer averiguou o conteúdo de uma pasta rosa, que trazia o nome de 25 deputados subornados pelo Econômico. 


Precatórios e DNER
Em novembro de 1996 veio à tona a falcatrua no pagamento de títulos no Departamento de Estradas de Rodagem (Dner). Os beneficiados pela fraude pagavam 25% do valor destes precatórios para a quadrilha que comandava o esquema, resultando num prejuízo à União de quase R$ 3 bilhões. A sujeira resultou na extinção do órgão, mas os aliados de FHC impediram a criação da CPI para investigar o caso.


Rombo transamazônico na Sudam
O rombo causado pelo festival de fraudes transamazônicas na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, a Sudam, no período de 1994 a 1999, ultrapassa R$ 2 bilhões. As denúncias de desvios de recursos na Sudam levaram o ex-presidente do Senado, Jader Barbalho (PMDB-PA) a renunciar ao mandato. Ao invés de acabar com a corrupção que imperava na Sudam e colocar os culpados na cadeia, o presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu extinguir o órgão. O PT ajuizou ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a providência do governo.


Os desvios na Sudene
Foram apurados desvios de R$ 1,4 bilhão em 653 projetos da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, a Sudene. A fraude consistia na emissão de notas fiscais frias para a comprovação de que os recursos recebidos do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) foram aplicados. Como no caso da Sudam, FHC decidiu extinguir o órgão. O PT também questionou a decisão no Supremo Tribunal Federal.


Compra de votos para aprovar a emenda da Reeleição
Em 1997, gravações telefônicas colocaram sob forte suspeita a aprovação da emenda constitucional que permitiria a reeleição de FHC. Os deputados Ronivon Santiago e João Maia, ambos do PFL do Acre, teriam recebido R$ 200 mil para votar a favor do projeto do governo. Eles renunciaram ao mandato e foram expulsos do partido, mas o pedido de uma CPI foi bombardeado pelos governistas. Outros três deputados acusados de vender o voto, Chicão Brígido, Osmir Lima e Zila Bezerra, foram absolvidos pelo plenário da Câmara.


Desvalorização do real
Num nítido estelionato eleitoral, FHC manteve o câmbio fixo em 1998 para garantir sua reeleição. No início de 1999, garantida a reeleição, o governo promoveu a (necessária e tardia) desvalorização do real. Para piorar, socorreu com R$ 1,6 bilhão os bancos Marka e FonteCidam – ambos com vínculos com tucanos de alta plumagem. A proposta de criação de uma CPI tramitou durante dois anos na Câmara Federal e foi arquivada por pressão da bancada governista.


Eduardo Jorge (espécie de José Dirceu tucano)
Secretário-geral do presidente, Eduardo Jorge foi alvo de várias denúncias no reinado tucano: esquema de liberação de verbas no valor de R$ 169 milhões para o TRT-SP; montagem do caixa-dois para a reeleição de FHC; lobby para favorecer empresas de informática com contratos no valor de R$ 21,1 milhões só para a Montreal; e uso de recursos dos fundos de pensão no processo das privatizações. Nada foi apurado e hoje o sinistro aparece na mídia para criticar a “falta de ética” do governo Lula.


CPI da Corrupção
Em 2001, chafurdando na lama, o governo ainda bloqueou a abertura de uma CPI para apurar todas as denúncias contra a sua triste gestão. Foram arrolados 28 casos de corrupção na esfera federal, que depois se concentraram nas falcatruas da Sudam, da privatização do sistema Telebrás e no envolvimento do ex-ministro Eduardo Jorge. A imundice no ninho tucano novamente ficou impune.

A maioria desses casos é provável que você, lendo, tenha até relembrado por alto... alguns nomes de pessoas ou órgãos e tal. Fiz essa lista a partir destes dois links aqui e aqui.

A grande diferença, na minha opinião, na percepção de corrupção se deve a cobertura da mídia. Não só ela tem sido mais incisiva e crítica no governo Lula, mas, o que pra mim é o mais importante, ela associa todas os casos de corrupção como sendo casos de corrupção no governo Lula, e não apenas casos de corrupção isolados entre si, como fazia na época de FHC. Os petistas alegam que a percepção de corrupção aumentou por que agora não há mais encobertamento dos casos, por que há combate sério à corrupção. Até existe um fundo de verdade, mas acho que o mais importante aqui é o papel da mídia mesmo. Contudo, a argumentação petista tem sua força, veja:

Vamos começar pela Polícia Federal. Logo no início do governo, foi feita uma limpeza no órgão (até a revista Veja chegou a publicar uma elogiosa reportagem de capa). Desde então, foram realizados uma série de megaoperações contra corruptos, traficantes de drogas, máfias de lavagem de dinheiro, criminosos da Internet e do colarinho branco (veja uma relação dessas operações aqui). Só em 2009, foram 281 operações e 2,6 mil presos. Desde 2003, foram quase dois mil servidores públicos corruptos presos. Quem compara os números não pode negar que a PF de FHC não agia, e que a PF de Lula tem uma atuação exemplar.


E a Controladoria-Geral da União? Inicialmente, FHC criou a tímida Corregedoria-Geral da União. Foi Lula que, a partir de 2003, realizou concursos públicos para o órgão e expandiu sua atuação. Hoje, a CGU é peça-chave no combate à corrupção. Graças ao seu trabalho, quase 3 mil servidores corruptos já foram expulsos. A CGU contribuiu nocombate ao nepotismo e zela pelo emprego das verbas federais viasorteios de fiscalização. E o Portal da Transparência, você conhece? Aquele "escândalo" do mau uso dos cartões corporativos só apareceu na imprensa porque todos os gastos das autoridades estavam acessíveis a um clique do mouse na Internet.
Vamos ficar nesses casos, mas poderíamos citar muitos outros: o fortalecimento do TCU como órgão de controle, um Procurador-Geral da República que não tem medo de peitar o governo (o do FHC era chamado de "engavetador-geral da República", lembra-se?), oDecreto contra o nepotismo no Executivo Federal. Numa expressão, foi o governo Lula quem "abriu a tampa do esgoto".


Eu pretendia encerrar este texto com uma discussão sobre como combater a corrupção. Mas apareceu um trabalho hercúleo pra eu fazer até o dia 10 de novembro e estou completamente sem tempo, fica pra próxima.

Nenhum comentário:

Postar um comentário